O que há por trás dos itens de luxo falsificados?

Há registros de moedas falsas desde a Antiguidade, mostrando que a falsificação não é um fenômeno recente. No entanto, com o avanço da industrialização e do comércio internacional, não apenas a circulação de bens aumentou, mas também a de cópias ilegais, incluindo itens de luxo falsificados, que se tornaram um problema crescente ao longo dos séculos. As primeiras medidas para combater esse problema só começaram a ser implementadas de forma estruturada a partir do século XIX.

Um dos marcos mais significativos na luta contra a falsificação foi a Convenção de Paris, assinada em 20 de março de 1883. Esse tratado estabeleceu a necessidade de proteger patentes, marcas e desenhos industriais, promovendo a cooperação entre nações e a criação de normas comuns para combater o uso indevido e a reprodução ilícita de produtos.

Após a Segunda Guerra Mundial, em 1967, as políticas globais contra a falsificação foram fortalecidas, especialmente com a criação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e, mais tarde, com a inclusão do Acordo TRIPS na estrutura da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995. Essas ações enfatizaram a importância da proteção da propriedade intelectual e estabeleceram diretrizes internacionais mais claras para combater a falsificação.

impactos econômicos dos itens de luxo falsificados na indústria da moda

Nas últimas décadas, as autoridades alfandegárias têm reforçado seus esforços para impedir a entrada de produtos falsificados, especialmente no setor da moda, que representa uma parcela substancial desse mercado ilícito.

Segundo um estudo da União Europeia, divulgado pela GQ em 2015, as perdas anuais no setor devido à venda de produtos falsificados chegam a aproximadamente US$ 28 bilhões — o equivalente a 10% do faturamento da indústria da moda na Europa —, impactando diretamente o mercado, com a eliminação de entre 363 mil e 520 mil postos de trabalho a cada ano no continente.

A França, por sua vez, se destaca como o território com a legislação mais rígida contra falsificações. Um dos motivos é que o país é o berço de algumas das principais marcas de luxo do mundo, como a holding francesa Moët Hennessy Louis Vuitton (LVMH). O mercado de luxo preza pela originalidade e exclusividade, enquanto as falsificações e réplicas representam uma ameaça direta a esses valores. 

Bolsa verde, estilo luxuoso, acompanhada de mensagem contra a compra de itens falsificados na França.

Foto: Campanha francesa contra a falsificação de itens de luxo (Reprodução/Divulgação)

Campanhas antifalsificação: o caso da França

Em 2012, a alfândega francesa, em parceria com a associação Comité Colbert — que reúne grifes como Chanel, Cartier, Dior, Louis Vuitton e Van Cleef & Arpels —, lançou uma campanha provocativa contra itens de luxo falsificados. Um dos destaques foi a imagem da icônica bolsa Lady Dior, acompanhada do slogan “Real Ladies Don’t Like Fake” (“Damas de verdade não gostam de falsificações”), seguido de um aviso que reforçava a seriedade da questão: “Não compre produtos falsificados! Na França, comprar ou transportar um produto falsificado é um crime, punível com até 3 anos de prisão e uma multa de €300.000.”

A campanha também contou com outros pôsteres, abordando diferentes tipos de produtos mais falsificados, incluindo um com o jacaré da Lacoste desfiando, acompanhado da frase “Are you ready to unravel this one?” (“Você está pronto para desfazer este?”), sugerindo a baixa qualidade dos produtos falsificados. Enquanto outro alertava sobre os riscos de adquirir uma réplica de um relógio Cartier, com a frase “Buy a fake Cartier, get a genuine criminal record” (“Compre um Cartier falso, ganhe um verdadeiro registro criminal”), reforçando as consequências legais da compra de falsificações. Perfumes, malas e joias falsificadas também foram utilizados, sempre com mensagens diretas e impactantes. A campanha teve grande alcance, com 10.000 pôsteres distribuídos em 18 aeroportos internacionais, alertando os turistas sobre os riscos e penalidades da compra de falsificações.

Falsificação no Brasil: o que diz a legislação?

E no Brasil, você pode estar se perguntando, cara leitora: se eu entrar no país com um produto falsificado, posso ser presa ou pagar uma multa, como na França? Para esclarecer essa dúvida e aprofundar a discussão sobre o tema, conversamos com a advogada Jacy Lima.

Diferente da França, onde há forte intolerância à violação dos direitos de propriedade intelectual, tanto na venda quanto no consumo de falsificações, a legislação brasileira adota uma abordagem mais flexível. Como explica Jacy Lima, “Ao contrário do Brasil, França e Itália são os países europeus mais rigorosos na proteção dos direitos de propriedade intelectual. Essa intolerância não é à toa: Itália e França são berços das principais marcas de luxo, como a holding francesa Moët Hennessy Louis Vuitton, e o mercado de luxo preza por originalidade e exclusividade, ao passo que as falsificações e réplicas são seus algozes.”

Foto: Alfândega dos EUA (Reprodução/Getty Images)

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os produtos falsificados representam cerca de 3,3% do comércio global. Em países europeus como a França, essa realidade causa perdas de bilhões de euros anualmente para a economia, impactando diretamente setores como moda, tecnologia e cosméticos. No Brasil, a situação não é diferente, mas a legislação e a percepção social sobre a falsificação seguem um caminho distinto em relação a outros territórios internacionais.

Independentemente do país, a falsificação representa uma ameaça direta à propriedade intelectual, afetando direitos autorais, patentes, marcas e design industrial. Além disso, a advogada Jacy Lima ressaltou que o problema compromete o valor das marcas, já que muitos consumidores não conseguem distinguir o original do falsificado, o que prejudica a confiança e a reputação dos produtos.

Foto: Extraordinary Luxuries Business School em Pequim (Reprodução/Getty Images)

Na França, a principal estratégia para combater o crescimento massivo de produtos falsificados foi a adoção de uma legislação mais rígida. As leis n.º 92-597 de 1992 e n.º 2014-344 de 2014 estabelecem penalidades severas, incluindo multas que ultrapassam €300.000 e pena de prisão para quem for flagrado com itens falsificados, independentemente de ser turista ou residente. Além disso, a autoridade alfandegária tem o poder de apreender qualquer item suspeito e notificar a marca lesada, que pode processar o consumidor civil e criminalmente.

Já no Brasil, a violação de direito autoral é crime previsto no artigo 184 do Código Penal, mas penaliza apenas quem falsifica, sem responsabilizar o consumidor — diferente da França, que pune ambos os lados, independentemente do conhecimento sobre a falsificação. O artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor prevê punição para vendedores e fornecedores que fazem afirmações falsas ou enganosas, permitindo que o comprador, caso se sinta enganado, solicite indenização por danos morais.

Foto: Bolsa “You fake like this Birkin” (Reprodução/Harper’s Bazaar Arábia)

Para finalizar, a advogada Jacy Lima complementa: “É evidente que o Brasil, em relação à França, é mais flexível quanto ao combate à falsificação, posto que o consumidor não é visto como agente ativo e não importa se está ciente que o item é falsificado ou não. (…) Em muitos casos, estes ignoram a Lei brasileira, pois vale o risco e o lucro, dado que o judiciário precisa ser provocado por quem tem seu direito violado e, considerando o histórico moroso da justiça brasileira, os detentores dos direitos autorais acabam desistindo de reivindicar seu direito e, assim, segue uma cultura de falsificações, exibicionismo, consumismo, impunidade e injustiça.”

economia e desigualdade vs cultura e desejo

O que impulsiona a falsificação?

A falsificação de produtos é um fenômeno global e há dois principais fatores que impulsionam esse comportamento: a desigualdade econômica e a cultura baseada no desejo e status social. Em países com altos índices de desigualdade, produtos de luxo são objetos inalcançáveis para uma grande parcela da população, e as réplicas surgem como uma alternativa mais acessível para quem deseja ostentar um símbolo de prestígio sem pagar o preço original.

@giulinyshauer255

“Uma cópia escarrada da Birkin da Hermès por 78 dólares no Walmart?! 😱 Já temos o primeiro viral de 2025: a ‘Bierken’ ou ‘Wirken’ como os internautas apelidaram. Antigamente, os fakes eram tabu, mas hoje os creators mostram com orgulho onde comprar e quanto economizar! Isso marca uma mudança no consumo e na percepção de luxo: usar fake agora é estratégia? Será que a Birkin perdeu seu status exclusivo? Conta aqui nos comentários: Hit ou Flop para o Walmart? #LuxoPopularizado #BierkenDoWalmart #FakeTrend ConsumoConsciente”

♬ som original – giulinyshauer255

No entanto, a falsificação não se sustenta apenas por questões financeiras, mas também pelo apelo cultural e pela mudança na relação do consumidor com produtos falsificados. O consumo ostentatório, fortemente impulsionado por redes sociais, tem se transformado ao longo dos anos. Um exemplo recente foi a bolsa apelidada de “Wirkin”, uma versão inspirada na Birkin, vendida no Walmart, que se tornou viral na internet e levantou discussões sobre a aceitação de imitações no mercado.

Se antes as pessoas compravam itens falsificados na surdina, com medo da humilhação de serem descobertas, hoje, influenciadores falam abertamente e sem constrangimento sobre suas compras de réplicas. Muitos não apenas compartilham onde encontraram seus “fakes”, mas também detalham quanto economizaram e quais as melhores estratégias para evitar impostos ao comprar no Alibaba — como exemplifica Giuliny Shauer, que aborda essa questão em um de seus conteúdos.

Essa mudança de comportamento evidencia como a falsificação deixou de ser um tabu e passou a ser normalizada e até desejada. Segundo Jacy Lima, parte desse fenômeno se deve ao mercado digital, que impulsiona esse tipo de consumo, seja por meio do e-commerce, seja pela influência de criadores de conteúdo e marcas que promovem itens de desejo, logo reproduzidos em larga escala, com menor qualidade e preços acessíveis por fast fashion, costureiras, artesãs e estilistas. O acesso imediato a tendências e a pressão social para exibir um estilo de vida luxuoso, mesmo que artificial, reforçam essa dinâmica.

como identificar cada tipo de falsificação

Foto: A pirâmide dos fakes (Supernova/Instagram)

A indústria da moda enfrenta um desafio crescente com a disseminação de produtos falsificados, que se tornam cada vez mais acessíveis e visualmente semelhantes aos originais. No entanto, nem todas as falsificações são iguais — elas se organizam em uma espécie de pirâmide, variando desde imitações grosseiras até cópias quase idênticas em aparência aos produtos legítimos. Confira a seguir as diferenciações: 

Leia também: Qual a diferença entre réplica e falsificado?

Foto: Como identificar bolsas falsas (Supernova/Instagram)

Dupes

Na base dessa pirâmide estão os dupes, que são imitações inspiradas em produtos populares, incluindo itens de luxo, mas sem replicar oficialmente a identidade da marca. Esses produtos costumam ser fabricados com materiais mais baratos, como tecidos sintéticos e metais não preciosos, tornando-se a opção mais acessível para o consumidor. Embora tenham um design semelhante aos originais, sua qualidade, durabilidade e acabamento costumam ser bastante inferiores.

O que diferencia os dupes das demais falsificações é a ausência do logotipo da marca. Embora não sejam comercializados como produtos originais, eles são amplamente reconhecidos como imitações baseadas em designs de produtos famosos.

Qualidade “A”

Subindo um degrau na pirâmide, encontramos os produtos falsificados de qualidade “A”, que são cópias inferiores vendidas sob o nome e a marca registrada de outra empresa, sem autorização. Os materiais e acabamentos são de qualidade inferior, além de reproduzirem tudo o que há de mais icônico, como embalagens, padronagens e rótulos.

Facilmente identificáveis, esses produtos ficam acima dos dupes, pois têm a intenção de enganar o consumidor na hora da compra, mesmo que a imitação seja evidente.

Primeira Linha

Na sequência, os produtos de primeira linha ou AA ocupam um nível intermediário na escala da falsificação. O material utilizado é de qualidade um pouco superior e há mais atenção aos detalhes. No entanto, isso não significa que não existam discrepâncias notáveis — com uma análise minuciosa, as imperfeições se tornam evidentes.

@cronicas.da.moda

Foi-se o tempo em que falsificações de bolsas de luxo eram vendidas na rua a preços baixíssimos. Como mostra a excelente reportagem da edição de agosto da revista Piauí, hoje vivemos a era das #superfakes onde réplicas dos produtos de luxo são vendidas em lojas bem arrumadas e a preços que chegam a R$ 10 mil. . Até que ponto esse mercado irá? A sustentabilidade foi pro espaço? Porque uma pessoa com 10 mil reais a disposição compra um produto falsificado quando poderia comprar outro original na loja? . Talvez ninguém esteja interessado no luxo em si. . #cronicasdamoda #luxo #superfake #hermes #birkin #kelly #fashiontiktok #fyppp

♬ som original – Maria Landeiro

Super Fakes

No topo da pirâmide estão as super fakes, falsificações quase perfeitas aos olhos de leigos. De acordo com a Supernova, esses produtos também são conhecidos no comércio online como “AAA”, “1:1” e “mirror”. Essas denominações indicam que são imitações extremamente difíceis de distinguir dos originais, até mesmo por especialistas.

Os materiais utilizados são de alta qualidade e se assemelham muito aos do produto legítimo. Além disso, essas réplicas vêm acompanhadas de detalhes adicionais, que vão desde a embalagem até a nota fiscal, imitando todos os elementos de uma compra feita diretamente na loja oficial.

a consequência da falsificação de itens de luxo

Dadas todas as informações apresentadas até aqui, fica claro que a falsificação de itens de luxo não impacta apenas grandes marcas e a economia global, mas também traz consequências diretas para consumidores e trabalhadores da indústria. O mercado ilegal movimenta bilhões de dólares anualmente, causando prejuízos significativos para empresas legítimas e resultando na perda de milhares de empregos em todo o mundo.

Além do impacto econômico, há também riscos sociais e éticos envolvidos. A falsificação está diretamente ligada a condições de trabalho precárias, exploração de mão de obra e, em muitos casos, ao financiamento de redes criminosas. Uma reportagem investigativa da ABC News revelou que a violação de direitos autorais pode estar conectada a crimes como tráfico humano, lavagem de dinheiro e até terrorismo.

Bolsa comparativa destaca diferenças entre itens de luxo falsificados e autênticos em textura, costura e estampas.

Foto: Como identificar uma bolsa legítima (Reprodução/ABC News)

O crescimento desse mercado paralelo transforma a dinâmica do setor de luxo. As redes sociais têm normalizado a busca por réplicas, tornando-as mais acessíveis e impulsionando sua popularidade. Se antes o consumo de falsificações era um tabu, hoje influenciadores falam abertamente sobre suas compras, legitimando essa tendência e enfraquecendo a percepção de exclusividade dos produtos originais.

Diante desse cenário, governos e marcas vêm reforçando seus esforços contra a falsificação. No entanto, enquanto houver desigualdade econômica e um mercado que valoriza a ostentação e o consumo desenfreado, esse ciclo continuará. A solução não está apenas na repressão, mas também na mudança da mentalidade coletiva sobre consumo e status, desassociando o luxo e itens hypados da necessidade de validação social.

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