P&G assume liderança na rivalidade quase centenária com a Unilever

Por quase um século, duas empresas por trás de algumas das maiores marcas domésticas travam uma batalha pela presença em residências no mundo todo.

Depois de um período como retardatária no início dos anos 2010, a Procter & Gamble ultrapassou a Unilever com uma estratégia tão simples que muitos duvidaram: dobrar a aposta em suas maiores marcas de uso diário e melhorar sua eficiência.

A P&G, que desistiu do negócio de alimentos há mais de uma década, está registrando lucro recorde em seu detergente Tide, nas fraldas Pampers e em produtos básicos de toalete, como Old Spice e Pantene. O preço de suas ações mais que dobrou nos últimos dez anos.

Produtos Procter & Gamble
Marcas consagradas da Procter & Gamble. Foto: Daniel Acker/Bloomberg

As ações da Unilever subiram cerca de 40% no mesmo período. A gigante europeia fabrica o desodorante Axe e o sabonete Dove, mas ainda depende de produtos alimentícios e mercados emergentes imprevisíveis. Recentemente, demitiu seu CEO, dizendo que queria acelerar o ritmo de sua estratégia de recuperação.

A P&G conquistou a melhor posição entre seus concorrentes para enfrentar o que promete ser um ano turbulento. Nos EUA, o maior mercado para ambas as empresas, a confiança do consumidor está abalada. O presidente Trump trava uma guerra comercial contra alguns dos maiores parceiros comerciais dos EUA, as ações estão despencando e muitos temem que a economia americana possa estar entrando em recessão.

“O crescimento nem sempre virá em linha reta. Medimos o progresso em anos fiscais, não em trimestres”, disse Jon Moeller, CEO da P&G, em novembro, no dia do investidor da empresa. “Nossos resultados mostram que esta é uma estratégia que nos servirá bem nos bons e maus momentos.”

Pouco tempo atrás, a P&G estava em queda nas vendas, e um investidor ativista estava pressionando a empresa a ser mais parecida com sua arquirrival europeia. Agora, o mesmo ativista está estimulando a Unilever a ser mais parecida com a P&G.

Fernando Fernandez, o recém-empossado CEO da Unilever, disse na semana passada que há cerca de um bilhão de euros (o equivalente a mais ou menos US$ 1,09 bilhão) de marcas locais em sua divisão de alimentos europeus que “não se encaixam bem” no portfólio da empresa. E outros 500 milhões de euros, ou cerca de US$ 544 milhões, em produtos de mercados menores que a empresa não pode escalar.

“Minha intenção é atuar sobre tudo isso, provavelmente em um ritmo mais rápido”, disse Fernandez.

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Uma batalha por lâminas de barbear

Uma década atrás, a P&G perdia terreno com o consumidor americano. O mesmo acontecia na China, seu segundo maior mercado. Rivais com sede nos EUA, a Colgate-Palmolive e a Kimberly-Clark, fabricante da Huggies, estavam se movendo com mais agilidade e roubando clientes. A marca de barbeadores Gillette da P&G estava sob ataque. Duas vendedoras de lâminas de barbear on-line, a Dollar Shave Club e a Harry’s, estavam usando lâminas baratas e campanhas publicitárias concisas e de baixo orçamento para roubar clientes desanimados com os altos preços das lâminas Gillette, cada vez mais sofisticadas. A Unilever comprou a Dollar Shave Club em 2016 por US$ 1 bilhão, parte de uma série de aquisições.

A Trian Fund Management, de Nelson Peltz, adquiriu cerca de US$ 3 bilhões em ações da P&G até 2017 e começou a lutar por um assento no conselho da empresa. Peltz disse que a P&G estava irremediavelmente atolada no passado. Acrescentou que a empresa deveria adquirir marcas menores e de nicho e trazer talentos de fora. Queria também uma reorganização corporativa que dividiria a empresa em três unidades de negócios independentes.

Ele citou a Unilever como exemplo de rival mais bem-sucedida, e mencionou que a empresa estava entregando altas margens operacionais, apesar dos negócios voltados para produtos menos lucrativos.

Os executivos da P&G argumentaram que o futuro estava nos mesmos fundamentos que guiaram a empresa por 180 anos: marcas confiáveis como Tide e Gillette que podem dominar sua categoria.

A presença de Peltz no conselho, reconheceram mais tarde os executivos, forçou a P&G a desvendar mais rapidamente uma estrutura organizacional conhecida internamente como “selva”, onde as linhas de comando confusas deixavam os executivos com pouca autoridade ou responsabilidade. A empresa se juntou a outras e abocanhou algumas marcas iniciantes que faziam sucesso, como Native Body Care e Tula Skin Care.

Os líderes da P&G confundiram os analistas com o uso frequente das palavras “superioridade irresistível” — termo genérico de uma estratégia para atrair clientes com novas embalagens, formulações e marketing de produtos aprimorados e preços competitivos. Mas a estratégia funcionou. A empresa investiu na melhora do desempenho de suas cápsulas de lava-louças Cascade, toalhas de papel Bounty e sabão em pó Tide. Quando a Covid chegou em 2020, os consumidores gravitaram para marcas conhecidas. A P&G registrou seu maior aumento de vendas em décadas, aproveitando a demanda por produtos domésticos, já que os consumidores obcecados por limpeza ficaram em casa.

‘Imperdível’ x ‘irresistível’

A Unilever tem uma vasta presença global. Vende detergente e pasta de dente, mas obtém cerca de um terço de sua receita anual com alimentos e sorvetes. Mais da metade dos negócios vem de mercados emergentes.

Peltz assumiu uma posição no conselho da Unilever em 2022 e pressionou por mudanças, muitas seguindo o manual da P&G. Ele disse que a empresa deve melhorar sua disciplina na cadeia de suprimentos e se concentrar em 30 marcas fortes que representaram mais de 70% de suas vendas.

Pouco tempo depois, a Unilever adicionou uma nova frase ao seu léxico: o objetivo de oferecer uma “imperdível superioridade de marca” aos consumidores.

“Não estou feliz com nossa competitividade geral”, disse Hein Schumacher, então CEO da Unilever, em 2023, meses depois de assumir o cargo. “Nossos esforços estão muito dispersos.”

Schumacher revelou planos para simplificar a empresa desmembrando seu negócio de sorvetes, que vende as marcas Magnum e Ben & Jerry’s.

Ben & Jerry's, marca de sorvete da Unilever
Ben & Jerry’s, marca de sorvete da Unilever. Foto: Michael M. Santiago/Getty Images

Em fevereiro, a Unilever nomeou Fernandez, seu diretor financeiro, como seu próximo CEO. Sua missão: acionar melhor e mais rapidamente o plano de recuperação existente da empresa.

A empresa tem se concentrado em introduzir menos inovações maiores e mudar seu portfólio para produtos mais caros — por exemplo, perder os direitos na América do Norte da marca convencional de xampu Suave e adquirir a marca de cuidados com os cabelos de alta qualidade K18.

Alguns investidores dizem que os negócios domésticos e de cuidados pessoais da Unilever podem ser mais valiosos como uma unidade autônoma porque as empresas de alimentos têm margens mais baixas. A Unilever disse que aceleraria a venda de algumas marcas de alimentos, ao mesmo tempo em que se concentraria em outras lucrativas, como o caldo Knorr e a maionese Hellmann’s.

A batalha por participação de mercado se intensificará nos próximos meses, dizem analistas. Os consumidores americanos estão apertando os cintos. A economia da China está sofrendo. Os aumentos acentuados de preços nos últimos anos impulsionaram o crescimento da receita em todo o setor, mas consumidores e varejistas não estão aceitando novos aumentos.

Agora a luta é pelo crescimento do volume, disse Filippo Falorni, analista que cobre o setor de consumo do Citi. “Mas nem todos podem vencer.”

Escreva para Natasha Khan em [email protected] e Sharon Terlep em [email protected]

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