Como é plantar com Javier Milei? Produtores da Argentina citam instabilidade, retrocesso e herança trágica

O presidente da Argentina e autoproclamado ultraliberal, Javier Milei, comunicou que o imposto sobre exportações cobrados pelo governo sobre determinados produtos, chamado de “retenciones“, voltará a ser aplicado em julho, apesar da suspensão desde janeiro.

A medida já causou diversas reações negativas entre os produtores rurais do país.

Pablo Torello, produtor rural em Bragado, no Noroeste da Província de Buenos Aires, conta com uma área de 5.500 hectares dedicados para soja, trigo, milho, cevada e pecuária de corte. Em conversa com o Money Times, ele reforçou a dificuldade para a atividade.

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“Produzir com Milei é muito instável, especialmente com os anos de seca que tivemos. A questão das retenciones é uma medida muito ruim, porque mostra a ignorância dos economistas em entender a força do setor agropecuário. O Brasil é um exemplo disso. Essa política impede o desenvolvimento do interior e o crescimento da Argentina”, disse. 

Ele disse que as medidas fazem com que seja muito difícil crescer e se planejar e que é por isso que “metade dos produtores desapareceram nos últimos 40 anos”, segundo Torello.

Ele afirma ter registrado uma perda de entre 10% e 15% do milho na primeira safra, mas salienta que iniciou a colheita de soja sem grandes problemas ou perdas.

‘Plantar tem sido uma montanha-russa’

O produtor rural, agrônomo e consultor, Alejando Ladaga, conta com 1.240 hectares próprios e arrendados em Bragado, com culturas como trigo, cevada, aveia, canola e ervilhas, além de milho como cultivo principal e soja na segunda safra.

Para ele, plantar com Milei tem sido uma “montanha-russa”.

“Temos que reconhecer que a ‘herança’ que Milei recebeu de Fernández foi realmente trágica. Viemos de uma economia totalmente destruída, à beira da hiperinflação. As expectativas eram altas entre o setor agrícola, mas sendo honesto, não tanto para mim. Desde o início, suspeitei que nós — o setor agrícola — seríamos uma das principais variáveis do ajuste”.

Ladaga ressalta que a macroeconomia necessitava de uma correção urgente, mas para ele, isso foi feito sem considerar o micro. Ele lembra que eliminar os impostos foi uma das promessas de campanha de Milei.

“O primeiro sinal de alerta veio muito rápido, em janeiro de 2024, com a intenção de aumentar os impostos de exportação [retenciones]. Ficou muito claro que a agenda do presidente Milei para os agricultores estava longe de ser uma prioridade”.

Outro problema enfrentado pelos agricultores nos primeiros dias do atual governo, segundo ele, foi o aumento do chamado “Imposto país”, que taxou as importações, como os insumos agrícolas. “Todos os outros gastos, como o diesel, aumentaram 145%. O resultado de todas essas alterações fez com que todas as principais culturas ficassem no vermelho ou quase no vermelho”, completa.

“Os rendimentos de equilíbrio [breakeven] ficaram tão altos que qualquer pequeno problema climático colocaria muitos em apuros. Foi assim que navegamos na primeira temporada, com custos elevados para insumos e a renda totalmente intervinda por duas vias: uma pelos retenciones e outra pela cotação fixa do dólar. Graças a Deus a natureza foi bondosa e conseguimos ‘salvar as roupas’ — e por pouco. Outros produtores não tiveram tanta sorte”.

O tratamento de Javier Milei com os agricultores

Ladaga, quando perguntado sobre o tratamento dado aos agricultores, reforça que Milei não tem paciência para aquilo que não entende e que não gosta, com o agronegócio sendo uma dessas coisas.

“Ele busca apoio em quem pensa como ele e descredita o restante. Esse é o estilo dele e não é exatamente uma novidade. Talvez, nós agricultores sejamos os culpados. E é isso que realmente invejo dos agricultores brasileiros, eles sabem como fazer as coisas acontecerem”.

O produtor comenta que a volta das retenciones foi uma notícia ruim para os agricultores e que ela vem no pior momento possível.

“Não é preciso ser um gênio para entender que é um retrocesso. Aumentar o imposto em um cenário já de altíssima carga tributária em todos os setores coloca a agricultura em uma posição muito precária. Não podemos esquecer o ambiente em que estamos: guerra tarifária, conflitos no Mar Negro e os preços baixos das commodities. Não há margem. Será uma safra desafiadora”.

O agricultor enfatiza que não há uma saída econômica sem sacrifícios, mas que esse fardo deveria ser repartido entre todos os setores.

“Isso não está acontecendo e, mais uma vez, há vencedores e perdedores. Adivinhem onde os agricultores estão até agora? A Argentina não vai evoluir com especulação financeira. Precisamos aumentar a produção de bens e exportá-los. Essa é a verdadeira natureza do progresso de uma nação. Milei deveria saber disso — é coisa de Adam Smith”.

Para Ladaga, falta a Milei entender as peculiaridades do setor agropecuário.

“Os agricultores não são os únicos com grãos, há muitos outros atores. O verdadeiro agricultor já tem vendido suas colheitas aos poucos. A maioria tem muitas contas para pagar no próximo mês. Temos que manter o foco e lembrar que estamos em plena colheita e às vésperas do plantio de inverno. Não precisamos de políticos colocando pedras no caminho”.

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