O déjà-vu dos Dubrule: a persistênca dos fundadores da Tok&Stok em reaver o negócio

Regis e Ghislaine Dubrule chegaram ao Brasil em 1975. Ele, com 27 anos, ela, com 26 – e o filho Paul, dois anos. A família decidiu deixar a França por causa da crise econômica que a Europa enfrentava naquele período. Olharam para alguns dos países que começam a mostrar um forte crescimento econômico – Canadá e Austrália, por exemplo. E escolheram o  Brasil, onde havia um boom imobiliário em curso, forte crescimento nas cidades e o surgimento de uma nova classe média. Receita ideal para começar um negócio.

O casal fundou a Tok&Stok em 1978. Quase 50 anos depois, eles acumulam mais tempo com endereço fixo no Brasil do que na França.  E agora, perto dos 75 anos de idade, o casal estaria pronto para desfrutar dos milhões de dólares acumulados ao longo desse período, quem sabe dividindo seu tempo entre São Paulo e Paris, onde moram quatro dos seus cinco filhos.

Mas não é nada disso que está acontecendo.

Regis e Ghislaine estão hoje no meio de uma acalorada disputa para retomar o controle da empresa. Na verdade, eles já tinham vendido o controle da empresa lá atrás, em 2012, para o fundo de private equity americano Carlyle, que foi absorvido pela SPX em 2021. O valor da transação foi de R$ 700 milhões (corrigindo pelo IPCA, perto de R$ 1,8 bilhão).

A família nunca se conformou com o caminho que os novos gestores traçaram para a empresa. Hoje, a briga é com os fundadores da Mobly, que compraram da SPX na empresa em 2024. E tudo isso num momento em que as empresas vivem o auge de uma crise financeira.

A operação, arquitetada pela gestora, teve oposição ferrenha do casal, que saiu derrotado nas discussões. No rearranjo, Regis e Ghislaine não cederam. Decidiram não converter a participação que possuem na Tok&Stok em ações do Grupo Toky. Na prática, hoje são sócios de uma subsidiária do grupo.

Com isso, a Toky passou a ter 100% da Mobly e 60% da Tok&Stok, enquanto os Dubrule detêm os outros 40% da rede que fundaram. Esse (confusa) divisão pode mudar em breve. A família fez uma proposta para comprar todo o Grupo Toky. Mas o plano não saiu como esperado.

Agora, Regis e Ghislaine travam uma batalha contra os fundadores da Mobly – Victor Noda, Marcelo Marques e Mario Fernandes – com direito a ação judicial, vazamento de emails e até suspensão do pagamento de plano de saúde da família Dubrule. E, claro, alguns dos mais conceituados – e caros – escritórios de advocacia do país – a Mobly contratou o Lefosse, enquanto os Dubrule são representados pelo Tannuri Advogados.

Enquanto os empresários brigam, o grupo amarga uma crescente destruição de valor e um momento financeiro delicado.

Le désir

No pano de fundo para essa disputa pelo controle da Tok&Stok, certamente está a aposta na retomada do varejo – especialmente o que alcança um público de média renda.

Dá pra afirmar que a união com a varejista veterana, sem dúvida, pode ser uma oportunidade para a Mobly, uma empresa que nasceu como uma loja 100% online de móveis de preços mais acessíveis. Noda, Marques e Fernandes criaram o e-commerce em 2012, quase 35 anos depois da TokStok, portanto.

Uma das coisas que chamaram a atenção da SPX no início das negociações é que, além da estrutura totalmente voltada para o online, a Mobly conseguia fazer um número de entregas diárias até sete vezes maior do que a Tok&Stok. Isso era possível porque a varejista mais nova tem a entrega e a montagem desvinculadas: o caminhão faz todas as entregas e só no dia seguinte a equipe de montagem vai à casa do consumidor.

Essa agilidade foi uma das alavancas que permitiram à Mobly crescer rapidamente, a ponto de conseguir fazer seu IPO já em 2021. Ainda assim, a empresa nunca conseguiu dar lucro. E, desde a listagem, as ações da Mobly acumulam uma perda de 95,2%.

De outro lado, quem conhece os fundadores da Mobly – dois engenheiros mecânicos e um engenheiro mecatrônico, todos na casa dos 30 anos – diz que a união com a Tok&Stok seria uma oportunidade para eles aprenderem com quem já enfrentou os mais diferentes cenários econômicos do país. Ou seja, tirar proveito desse know-how que fez da TokStok uma referência no setor de móveis e decoração.

Na teoria, tinha tudo para ser um ganha-ganha. A Mobly teria acesso à estrutura de lojas físicas da Tok&Stok, uma necessidade cada vez maior para empresas que nasceram no ambiente digital.

Em paralelo, para Tok&Stok seria uma forma aprimorar sua estratégia online com quem entende de tecnologia e logística. Modernizar processos e, com isso, reduzir custos.

La discorde

Tudo parecia se encaixar muito bem, não fosse por um ponto: os Dubrule nunca viram vantagem no negócio. A Tok&Stok já teve a oportunidade de comprar a Mobly anos atrás, mas o casal sempre acreditou que a operação não traria valor algum para a Tok&Stok.

Para Regis, a união com a Mobly promovida no ano passado foi um “abraço de afogados”. Segundo relatos ouvidos pelo InvestNews, a família fundadora da Tok&Stok resistiu à fusão desde o início. E, sempre que teve oportunidade, tentou travar o processo.

Na visão de quem participou das conversas que levaram à união de Tok&Stok e Mobly, os Dubrule também demonstraram não aceitar que o mundo do varejo mudou. Na definição de um ex-executivo da empresa, eles mantêm uma “cabeça artesanal” em um mundo de competição cada vez mais agressiva.

“Por muito tempo, a Etna [empresa francesa que saiu do Brasil em 2022] era a única concorrente da Tok&Stok. Hoje, tem muita gente no jogo: Madeira Madeira, Westwing e até lojas de departamento”, define o interlocutor, que prefere não ser identificado.

Regis e Ghislaine não aceitaram ver o negócio de suas vidas nas mãos de uma empresa que eles consideram menor. Mas foram voto vencido. A decisão da SPX de vender a empresa hoje é questionada pelos Dubrule em arbitragem em que o fundo é acusado de, ao decidir vender o controle da Tok&Stok para a Mobly, priorizar seu interesse de deixar a operação em detrimento do interesse da empresa e dos demais sócios.

Le mariage

No início dos anos 2010, a Tok&Stok ia de vento em popa. E não é só que as vendas cresceram: a relação com o consumidor chegou ao ponto de que ir a uma loja da rede era considerado um programa. Tudo isso em um momento em que a economia ainda sentia os efeitos positivos da expansão da classe média (o PIB chegou a crescer 7,5% em 2010) e, portanto, o poder de compra estava forte.

Os fundadores sentiram necessidade de encontrar, nesse contexto, um parceiro que trouxesse fôlego financeiro para uma expansão ainda maior do negócio. Chegou a conversar com alguns fundos, locais e estrangeiros. Mas nenhum dos pretendentes convenceu os Dubrule.

Regis e Ghislaine, enfim, acabaram vendo “fit”com o Carlyle, uma gestora americana forte em investimentos de private equity. A visão de negócio parecia semelhante. E, mais do que isso, foi o único candidato que concordou em manter a sociedade com os Dubrule, e tê-los na gestão do negócio por um período.

O acordo era que a Ghislaine permaneceria como CEO por um ano – mas ela ficou cinco. No começo, a relação ia bem, com pequenas discordâncias. Mas quando os ventos da economia viraram em 2015, o que eram apenas pontos de vista diferentes viraram divergências e, mais tarde, conflitos.

As visões, que pareciam semelhantes, na verdade eram opostas. Enquanto o Carlyle buscava cortes de gastos drásticos, Ghislaine resistia a mudanças como a terceirização de equipes ou o arrendamento da deficitária cafeteria, temendo descaracterizar a experiência que fez o sucesso da Tok&Stok.

La Guerre

Há também um outro aspecto que ajudou a elevar a tensão entre os sócios: a pressão de quem investiu no Carlyle. Afinal, a natureza dos fundos de private equity é controlar a empresa por determinado período, depois vender a participação (com lucro, de preferência) e devolver o dinheiro para os cotistas.

Só que os anos foram passando e a gestora americana não via uma porta de saída. A relação piorou ainda mais quando a gestora SPX absorveu os fundos do Carlyle, que saiu do Brasil em 2021.

Já sob as rédeas da SPX, o fundo controlador da Tok&Stok precisou fazer um aporte de R$ 100 milhões na empresa para sustentar o negócio, que encontrava-se atolado em dívidas depois da pandemia. Os Dubrule aportaram outros R$ 100 milhões. Mais de uma dezena de loja foram fechadas Brasil afora.

Em meados de 2023, Regis e Ghislaine tentaram recomprar o controle da Tok&Stok. Fizeram à SPX uma proposta de capitalização no valor de R$ 210 milhões. A oferta incluía um aporte de R$ 100 milhões em dinheiro novo e a conversão de R$ 110 milhões em dívidas que os Dubrule detinham com a Tok&Stok.

No entanto, a SPX rejeitou a proposta. A gestora preferiu seguir adiante com o plano de vender o controle da Tok&Stok para a Mobly, em uma operação de troca de ações que se concretizou em novembro do ano passado.

Inconformados com a fusão os Dubrule foram à luta para tentar recuperar a empresa.

Les armes

Os Dubrule passaram então a preparar um contra-ataque para retomar a Tok&Stok. Para isso, precisariam adquirir o controle do Grupo Toky. A primeira tentativa ocorreu ainda no ano passado, segundo apurou o InvestNews. O casal fez uma oferta comprar as ações da alemã Home24, que é a acionista majoritária da Toky com mais de 44% dos papéis. Mas o grupo estrangeiro optou por ver os primeiros resultados da fusão.

bubble-chart visualization

No fim de fevereiro, a nova ofensiva dos Dubrule foi uma oferta pública de aquisição (OPA) por ao menos 50% mais uma ação do Grupo Toky. Propuseram R$ 0,68 por papel – metade da cotação da época – totalizando R$ 83,5 milhões por 100% da empresa.

A oferta incluía condições como um “waiver” dos credores –uma espécie de perdão para o descumprimento de gatilhos que poderiam levar a execução imediata de dívidas da Tok&Stok –, além da remoção da cláusula de poison pill – que determina que qualquer acionista que ultrapassar 20% das ações teria que fazer uma oferta para todos os outros acionistas pagando um prêmio sobre o valor da ação.

A oferta enfrentou resistência por parte da administração da Toky desde o início, que considerou a proposta como “inviável”. A administração do grupo também moveu uma ação judicial para contestar a OPA. Um procedimento junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também foi aberto.

A Toky acusa os Dubrule de terem fechado um acordo com a XXXLutz, controladora da Home24, para comprar as ações da empresa por um valor diferente do que estava sendo oferecido aos demais acionistas. Os Dubrule negam.

No capítulo mais recente da novela, os acionistas minoritários do Grupo Toky rejeitaram a retirada da poison pill do estatuto da companhia durante a assembleia geral realizada em 30 de abril. Foi mais uma derrota para a família Dubrule.

De todo modo, o caso segue sub judice. O juiz Andre Salomon Tudisco, responsável pela análise do processo movido pela Toky contra os Dubrule e a Home24, decidiu suspender qualquer decisão tomada pela assembleia até que possa analisar as acusações de conluio.

Uma disputa com potencial para se arrastar por anos. Enquanto isso, o Grupo Toky amarga uma vertiginosa destruição de valor. É hoje uma empresa avaliada em cerca de R$ 100 milhões. E que tem uma dívida sete vezes maior, de quase R$ 700 milhões. E pior. Corre o risco de sair ainda mais desgastada.

Au revouir?

Só que nem mesmo as derrotas recentes parecem frear a cruzada dos Dubrule para retomar a Tok&Stok.

O casal é descrito por quem conviveu com eles como pessoas discretas, daquelas que raramente são vistas em festas badaladas ou colunas sociais. São ricos, mas não perdulários. E muito elegantes. Aguerridos, para alguns; beligerantes, para outros.

Regis e Ghislaine se conheceram ainda na faculdade, ambos são formados em ciências políticas. Quando decidiram sair da Fraça, tiveram o Canadá e Austrália como opções, mas escolheram o Brasil dos anos 70, atraídos pelo potencial econômico e pelo surgimento de uma nova classe média – cenário ideal para empreender.

Regis, que chegou a trabalhar nos negócios de sua família, sempre quis empreender. Foi ele quem desenvolveu o primeiro business plan da Tok&Stok. Só que quem deu o corpo e a alma para a rede foi Ghislaine.

No início, ela apenas apoiava no projeto do marido garimpando tecidos e produtos de artesanatos no bairro do Brás, em São Paulo, para abastecer a primeira loja do casal, um espaço de 80 metros quadrados localizado na Avenida São Gabriel, na zona sul da capital paulista.

Mesmo sem falar português direito, a sra. Dubrule percebeu que os vendedores nem sempre davam as informações corretamente aos clientes. Com isso, sentiu a necessidade de estruturar um treinamento para os funcionários. Não demorou para Ghislaine fazer a gestão completa da loja, dos funcionários ao financeiro.

O casal de franceses nunca mais deixou o Brasil como residência oficial. Aqui, nasceram as quatro filhas – Edith, Francine, Brigitte e Béatrice. Apenas Paul, o mais velho, se envolveu com os negócios da família. Ele chegou a ocupar uma cadeira no conselho da TokStok e os planos de Ghislaine eram de que ele fosse seu sucessor. Mas hoje ele mora no Rio e está distante do negócio e das discussões em torno dele.

Neste momento, a família está recolhida, avaliando os próximos passos. Um bom palpite é que eles deverão contra-atacar novamente, ao melhor estilo Napoleão Bonaparte.

L’Empereur dizia: “A vitória pertence ao mais perseverante.”

(Colaborou Rikardy Tooge)

Adicionar aos favoritos o Link permanente.