Leonardo Bessa: Maquiagem de gorjeta – O novo abuso contra o consumidor

Leonardo Bessa: Maquiagem de gorjeta – O novo abuso contra o consumidorLeonardo Roscoe Bessa

A gorjeta, em qualquer parte do mundo, faz parte da cultura, dos costumes, além de receber disciplina jurídica que pode abranger diferentes aspectos: trabalhistas, tributários e de consumo (não uso a palavra “consumerista”; tem uma razão e cabe até um pequeno artigo sobre isso). O artigo foca na relação com o consumidor; destaca nova postura de restaurantes de aumentar, sem transparência, o percentual de 10% para 12,5%, 13% ou até mais.

O consumidor tem direito à informação, clareza e transparência ao comprar. A informação é necessária para exercício de outro direito: de escolha de como gastar o seu dinheiro.

Além do princípio jurídico da boa-fé objetiva (art. 4º, III, 51, IV) – lealdade e transparência – vários artigos do Código de Defesa do Consumidor ressaltam a importância do dever de informar. Ilustrativamente, o art. 6º, III, dispõe ser direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço”.

Silenciosamente, muitos restaurantes passaram a cobrar 12,5 % sobre o valor consumido sem qualquer informação, seja no cardápio, na própria conta ou em qualquer outro lugar; sequer informam o percentual. A conta aparece com o valor do que foi consumido e, na sequência, um outro valor – que não corresponde aos tradicionais 10%. Essa postura viola claramente o Código de Defesa do Consumidor.

Tradicionalmente, por costume (que é fonte do Direito), a gorjeta é opcional. Pode-se, em alguns casos, sustentar que passa a ser obrigatória, se houver clara informação no cardápio que ela integra – necessariamente – o preço. O fato é que “esqueceram” de informar a cobrança da gorjeta e, pior, que ela aumentou em termos percentuais. Muitos pagam sem perceber.

Maquiagem de produto

Alguns vão se lembrar. Ocorreu situação semelhante no passado. Várias empresas de produtos alimentícios resolveram reduzir a quantidade tradicionalmente comercializada. A caixa de sabão em pó passou de 500 g para 400 g, o refrigerante de 600 ml para 400 ml etc. A informação da nova quantidade estava na embalagem, só que sem qualquer destaque, o que acabou por induzir o consumidor a erro já que estava acostumado a comprar, por seguidos anos, o produto com outra quantidade.

Os Procons aplicaram multas, não porque era proibido vender uma quantidade menor, mas pela mudança comercial sem qualquer transparência. O entendimento era que a embalagem deveria destacar, ao menos por um período de transição, que a quantidade havia diminuído. Aí caberia ao consumidor analisar o novo preço, fazer as contas e, no livre exercício de escolha, optar por continuar com a marca ou escolher a concorrente.

A prática ficou conhecida como “maquiagem de produto”. O tema foi levado ao Superior Tribunal de Justiça que reconheceu a ilegalidade da prática.

Em julgamento proferido em maio de 2013 (Resp. 1.364.915, Rel. Min Humberto Martins), o Tribunal destaca que a conduta ofende o princípio da boa-fé objetiva e o dever de informar e caracteriza publicidade enganosa, ou seja, aquela que é capaz de induzir o consumidor a erro sobre qualquer característica do produto.

No julgamento, pontua-se: “o dever de informação positiva do fornecedor tem importância direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor. A informação deficiente frustra as legítimas expectativas do consumidor, maculando sua confiança.”

O cenário atual requer a mesma atenção do passado dos órgãos que defendem o consumidor (Procon, Senacon, Ministério Público, Defensoria Pública).

De volta à gorjeta

Não se questiona a importância da gorjeta para a os garçons que trabalham em restaurantes, lanchonetes, cafés. No mundo ideal, o consumidor paga quando é bem atendido e, muitas vezes, faz questão de aumentar o percentual sugerido para 20% ou mais.

No mundo ideal, esse valor realmente é dirigido aos garçons e não apropriado pelos estabelecimentos. Aliás, essa informação também é útil – até necessária – para o consumidor optar pelo percentual que irá pagar.

A nova gorjeta não pode se esconder nem se maquiar. Em ótica jurídica, deve ser informada claramente ao consumidor. Em período de mudança – de aumento de valores tradicionalmente cobrado por décadas – a informação deve ser ainda mais clara, em destaque (letras maiores, em negrito etc.) para o consumidor avaliar e escolher o que fazer com o seu dinheiro.

Leonardo Bessa: *Leonardo Bessa é doutor em Direito Civil e Desembargador do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT). Respeitado e com uma vasta carreira na área jurídica, também é professor e autor de diversos livros e artigos, destacando-se pela atuação nos ramos de Direito do Consumidor e Processos Coletivos

 

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