Como o Azerbaijão Está Reescrevendo sua História no Mundo do Vinho

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Quarenta anos atrás, no Azerbaijão, localizado na região sul do Cáucaso, na Ásia Ocidental, a morosa e ineficiente produção soviética de vinho a granel foi severamente impactada por uma destruição planejada de vinhedos. O resultado deixou os produtores incertos sobre como seguir em frente. Hoje, o país está redefinindo sua identidade na produção vinícola, combinando variedades de uvas internacionais com influências locais e regionais.

Durante a era soviética, quando o Azerbaijão era uma das 15 repúblicas que compunham a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a quantidade de vinho produzido era priorizada em detrimento da qualidade. No auge da produção, em 1984, a então república produzia anualmente 26 milhões de galões da bebida, por meio de 120 vinícolas e 420 fazendas vitivinícolas.

Foram fabricados 56 tipos de vinho e 10 conhaques, refletindo uma preferência por vinhos doces e fortificados. Em 1985, Mikhail Gorbachev, o então Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, instituiu uma campanha para reduzir a produção e o consumo de álcool. Essa era, conhecida como “A Lei Seca de Gorbachev”, resultou na destruição sistemática de mais de 32 mil hectares de vinhedos no Azerbaijão.

Com a dissolução da União Soviética em 1991, muitos viticultores e produtores de vinho se mudaram para cidades como a capital Baku, em busca de sustento. A indústria vinícola, então, colapsou.

“O sistema sob o comunismo era controlado pelo governo central, e os vinhedos não nos pertenciam. Após o fim da União Soviética, as pessoas perderam o interesse pelos vinhedos e foram trabalhar em Baku”, diz Penah Abdullayev, consultor de vinhos do Azerbaijão.

O Renascimento

Desde o ano 2000, a produção de vinhos no Azerbaijão tem passado por um renascimento, agora com foco na qualidade. Em 2017, até 2 mil hectares de novos vinhedos estavam sendo plantados anualmente, e em 2018 foi criada a Escola de Vinhos de Baku para a formação de sommeliers. Apesar do esforço, os destilados de frutas ainda são mais populares no país do que vinho, cerveja ou vodca.

Tom Mullen

Barris da vinícola Goygol, fundada em 1860 por colonos alemães

Hoje, o Azerbaijão cultiva uma mistura de três tipos de uvas viníferas — internacionais (como Pinot Noir e Viognier), autóctones do Azerbaijão (como a tinta Madrasa e a branca Bayan Shira) e variedades indígenas do Cáucaso (como a tinta Saperavi e a branca Rkatsiteli, originárias da Geórgia).

O país não possui um sistema de denominação de origem para seus vinhos. As principais regiões produtoras incluem, em sentido anti-horário a partir da capital: Baku-Absheron, Litoral do Cáspio, Shirvan e Sopés do Cáucaso, Ganja-Gazakh, Nakchivan e Lankaran-Astara.
Entre as ações de promoção do vinho está o quarto Festival Anual da Uva e do Vinho, que acontecerá ainda este ano na vila de Meysari. A edição anterior durou três dias consecutivos, contou com representantes de 24 vinícolas e recebeu cerca de 4 mil visitantes por dia.

Modernidade

Evidências arqueológicas de sementes de uva, resíduos de vinho e recipientes de armazenamento indicam que o vinho já era produzido no Azerbaijão em 6.000 a.C.

Vestígios de tecnologias antigas para produção da bebida entre os séculos III e I a.C. incluem uma tina de pedra com fundo texturizado para prensagem das uvas — escavada na vila de Khynysly, no distrito de Shamakhi, a algumas horas a oeste da cidade de Baku.

Hoje, Shamakhi é o local de produção da marca Meysari, criada pela Shirvan Wines. Ela exemplifica a moderna produção de vinho em grande escala, combinando variedades francesas com uvas locais e do Cáucaso e foi a primeira vinícola do Azerbaijão a produzir vinhos orgânicos.

Fundada em 2014, a Shirvan Wines produz um milhão de litros de suco por ano a partir de 160 hectares de vinhedos. Seu blend branco aromático Sadaf inclui uvas do sul da França — Grenache Blanc, Roussanne, Marsanne e Clairette — além da local Bayan Shira. Já o blend tinto Marcan combina as francesas Marselan, Cinsault, Carignan, Grenache e Mourvèdre, com o reforço da regional Saperavi, da Geórgia.

A Influência Alemã

A região vinícola de Ganja-Gazakh, no oeste do Azerbaijão, oferece um contexto histórico para a produção de uvas. A rodovia que sai de Baku em direção a Ganja passa por chamas de torres de petróleo, gado magro, casas com telhados de zinco enferrujado e vistas distantes das montanhas do Cáucaso cobertas de neve. A estrada é ladeada por uma linha ferroviária ao norte e por oleodutos paralelos ao sul.

O clima torna-se continental temperado à medida que se avança para o oeste, e a paisagem aberta lembra uma versão verdejante do interior do estado norte-americano de Wyoming. A vegetação delicada ao sul da cidade de Ganja remete ao Parque Nacional Craters of the Moon, no estado de Idaho.

Após as Guerras Napoleônicas na Europa, alemães da região de Württemberg, no sul da Alemanha, começaram a se estabelecer no Azerbaijão em 1817, atraídos pela promessa do Império Russo de terras gratuitas, isenções fiscais e liberdade religiosa. Esses imigrantes introduziram variedades europeias de uvas e tecnologias de vinificação. No fim do século 19, o Azerbaijão era o principal produtor de vinho e conhaque da região do Cáucaso.

A cidade de Goygol fica a cerca de vinte minutos ao sul de Ganja — segundo maior município do país. A vinícola Goygol foi fundada em 1860 por colonos alemães. Durante o período soviético, produziu o maior volume de espumantes da URSS.

Hoje, a vinícola é dividida ao meio pela estrada principal da cidade. Em um lado, é produzido vinho; no outro, vodca. As caves de tijolos, altas e construídas à mão, estão localizadas a 16 metros de profundidade e abrigam barris desativados, de grandes dimensões, esculpidos há muito tempo por alemães utilizando carvalho local.

Até recentemente, seus vinhos eram todos varietais, incluindo os internacionais Cabernet Sauvignon e Chardonnay, além dos locais Madrasa e Bayan Shira. Agora, a produção abrange 13 variedades de uvas e inclui blends. A linha Karabakh da vinícola inclui um espumante e um Chardonnay seco, um Madrasa frutado e um Pinot Noir envelhecido em carvalho.

“Estamos tentando ser inovadores, mas também preservar o legado herdado dos alemães. Nossa singularidade está na história, pois muitas outras vinícolas do Azerbaijão são recentes”, diz Rasim Omarov, explicou o enólogo-chefe da vinícola Goygol.

Outra vinícola que se destaca no país é a Savalan Aspi, nomeada em homenagem a uma vila no vale de Savalan, no norte do Azerbaijão, e está localizada no meio do caminho entre as fronteiras leste e oeste, na região vinícola de Shirvan e Sopés do Cáucaso.

A Savalan Aspi produz 23 vinhos diferentes, a maioria exportada para a Rússia e para restaurantes da Europa. Curiosamente, o enólogo é italiano, assim como o arquiteto, e os equipamentos usados para processar uvas internacionais da Itália, França e Espanha também são italianos.

A vinícola conta com duas atrações notáveis para impulsionar o enoturismo no Azerbaijão: um museu interativo de vinho e o maior barril de madeira em uso no mundo. Construído com carvalho eslavônico pelo fabricante italiano Garbellotto, o barril tem 4,75 metros de diâmetro e comporta 66.579 litros de vinho — o equivalente a 295 barris de Bordeaux ou mais de 88 mil garrafas.

“Nos últimos cinco anos, o vinho do Azerbaijão se tornou mais popular”, diz Aygün Atayeva, gerente de vendas da vinícola Savalan Aspi e a primeira mulher sommelier do país. “O número de visitantes russos está aumentando, e os turistas voltam para casa e promovem nosso vinho”.

Tom Mullen

Aygun Atayeva é a primeira mulher sommelier do Azerbaijão

Vinho artesanal

Ao norte de Baku, o clima de estepe semiarido caracteriza a região vinícola do litoral do Cáspio, onde crescem avelãs, cerejas e maçãs. É nessa região que está localizada a vinícola F.A. Valley, co-fundada por Farhad Ağayev, formado em cirurgia vascular pela Academia Militar de São Petersburgo, na Rússia, e também em Nuremberg, na Alemanha. Essa vinícola talvez seja a que mais incorpora uvas e tecnologias italianas no país.

Ağayev continua atuando como médico, mas também produz vinhos com seis variedades italianas de uvas tintas — Pugnitello, Colorino, Sagrantino, Aglianico, Nero d’Avola e Sangiovese. Ele e seu irmão Farid contrataram consultores da Toscana para ajudar a implantar seis hectares de vinhedos e estruturas de produção. “Gosto de vinhos italianos”, diz Ağayev quando questionado sobre sua escolha de uvas.

Localizada entre o Mar Cáspio e as Montanhas do Cáucaso, a região tem clima mediterrâneo quente e pouca chuva. O solo contém argila azul com calcário abaixo, e as videiras recebem cerca de 300 milímetros de chuva por ano — um terço do volume que cai na Toscana, ou metade do registrado na Sicília. O resultado é que Ağayev só precisa tratar suas vinhas contra doenças quatro ou cinco vezes ao ano, enquanto no norte da Itália são necessárias até 15 intervenções.

“Apenas solo, videira, vinho e garrafa. Muito simples. O vinho não é uma bebida. É filosofia, energia e alimento. Quero fazer vinhos honestos, saudáveis e também mostrar que o Azerbaijão pode produzir grandes vinhos”, diz ele.

Quando Ağayev começou a cultivar uvas, os fazendeiros locais disseram que era tolice não buscar lucros rápidos. Mas sua paciência começa a dar frutos. O vinho Ragazzaccia 2020 da F.A. Valley, feito com a uva Aglianico, conquistou recentemente uma medalha de prata no Sommeliers Choice Awards, um dos concursos mais conhecidos com esse nome, realizado anualmente em San Francisco, nos Estados Unidos.

Dentro da vinícola, o suco escoa por gravidade até tanques de cimento, onde é fermentado. Nenhum processo de clarificação ou filtração é utilizado, e as uvas são expostas a leveduras indígenas em vez de comerciais.

Os vinhos são então envelhecidos de maneiras diferentes — rosés e espumantes em aço inox, Sangiovese em grandes tonéis de carvalho eslavônio, e Aglianico e Nero d’Avola em barricas de carvalho francês.

Ağayev também utiliza ânforas de argila de Alto Adige, no norte da Itália. Ele prefere essas aos vasos de terracota da Geórgia, pois acredita que o produto italiano permite menor infiltração de oxigênio. Entre vários rótulos, ele produz três vinhos naturalmente frisantes de excelente custo-benefício (conhecidos como “pet nat” ou pétillant naturel), cada um feito com uma uva diferente — Sangiovese, Colorino e Nero d’Avola.

Ağayev representa o arquétipo do vinicultor artesanal: alguém que não herdou equipamentos nem conhecimento familiar, mas que aprendeu sozinho a produzir vinhos de qualidade robusta.

Tom Mullen

Quando Farhad Ağayev começou a cultivar uvas, fazendeiros locais disseram que era tolice.

Origem das uvas

Embora predominantes, respeitadas e adaptadas às condições locais, é improvável que as variedades internacionais de uvas sustentem sozinhas os vinhos do Azerbaijão no futuro. As uvas locais e regionais oferecem perfis aromáticos únicos que ajudam a estabelecer a identidade dos produtores. Seus sabores também harmonizam bem com a rica culinária do país.

O enólogo Marco Catelani, da Toscana, na Itália, mudou-se para o Azerbaijão há 15 anos. Desde 2016, ele, Andrea Uliva e Panakh Abdullayev trabalham com uvas internacionais e locais na vinícola Chabiant. Ele se dedica à promoção das uvas autóctones do Azerbaijão e diz que gostaria de ver o país adotar rótulos de vinho com algum tipo de indicação geográfica. Ele também acredita que seria benéfico cultivar essas uvas em diversas regiões do país.

“Nosso foco está nas variedades locais do Cáucaso e em promover o caráter do Azerbaijão. Com Madrasa e Bayan Shira, estou promovendo materiais autênticos do país. Hoje, as pessoas estão mais orgulhosas das variedades locais”, diz Catelani.
O Azerbaijão possui mais de 450 variedades de uvas autóctones, das quais apenas algumas são atualmente utilizadas na produção de vinho.

A uva branca Bayan Shira origina vinhos frescos, vibrantes, semi-complexos e fáceis de beber, com acidez marcante, notas tropicais suculentas, mineralidade e, às vezes, um leve toque de mel no meio do paladar. Neste caso, é semelhante a um blend de Sauvignon Blanc/Sémillon de Bordeaux, mas com um acento mais cítrico. Ou, pense em um Sauvignon Blanc que encontra um Riesling seco e um Chablis.

A uva Madrasa de casca grossa, originária do Azerbaijão, produz vinhos com uma estrutura tânica leve, aromas e sabores de chocolate e frutas vermelhas, que podem ser complexos, frutados, com especiarias sutis e acidez firme. Pense em algo entre o norte do Vale do Rhône e a margem direita de Bordeaux.

A Saperavi, nativa da Geórgia, tem raízes genéticas relacionadas à Syrah, o que se revela nos aromas de chocolate amargo, além de sua estrutura equilibrada e acidez. Seus sabores se assemelham aos da Baboso Negro das Ilhas Canárias, e sua cor é tão escura quanto a do vinho feito com a uva Croatina.

O futuro dos vinhos do Azerbaijão parece promissor — graças à disponibilidade de variedades locais distintas e a indivíduos dedicados e ávidos por elaborar vinhos.

Assim como a vinícola Clos Apalta, no Chile, criou um corte ao estilo Bordeaux francês, mas adicionou o suco da uva Carménère para dar um toque local, o Azerbaijão poderia produzir seu próprio blend característico tendo a uva Madrasa como componente essencial.

* Tom Mullen é colaborador da Forbes EUA, especializado em vinhos, destilados e enoturismo.

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