Segure o obituário: Europa ganha vida enquanto os EUA tropeçam

No Fórum Econômico Mundial em Davos, há dois meses, o clima pela Europa era fúnebre. Sua economia e mercados tiveram um desempenho inferior ao dos EUA por anos. Agora recém-empossado presidente, Trump prometeu castigar a Europa com tarifas ao mesmo tempo em que estimula o crescimento dos EUA com impostos mais baixos, menos regulamentação e energia mais barata.

Como de costume, o consenso de Davos errou. Desde então, os humores de ambos os lados do Atlântico se inverteram. As ações europeias subiram bem, enquanto o mercado americano teve uma correção (queda de 10%). Na quarta-feira, as autoridades do Federal Reserve revisaram suas perspectivas de aumento da inflação e de diminuição do crescimento. O dólar, que disparou depois que Trump foi eleito, despencou.

Alguma perspectiva é necessária. A reversão do mercado estava atrasada; a diferença de avaliação entre as ações europeias e americanas estava se tornando absurda. Mesmo com revisões, os EUA ainda devem crescer mais rápido do que a União Europeia e o Reino Unido este ano. Os indicadores de atividade empresarial na Europa continuam fracos.

No entanto, uma reavaliação mais a fundo das perspectivas das duas regiões pode ser necessária, e tem muito a ver com Trump — embora não da maneira que a maioria esperava.

As perspectivas de crescimento dos EUA diminuíram desde a chegada de Trump. Em janeiro, os economistas esperavam um crescimento de 2,2% anualizado no trimestre atual. Agora, as estimativas estão em torno de 1% a 1,5%. Na quarta-feira, as autoridades do Fed reduziram o crescimento esperado este ano de 2,1% para 1,7%.

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As razões exatas para o rebaixamento não são claras; a desaceleração do primeiro trimestre reflete dados anteriores ao primeiro mês completo de Trump no cargo. Ainda assim, sua guerra comercial afetou a confiança de empresas e consumidores.

Além disso, o risco de que as tarifas mantenham a inflação acima da meta de 2% do Federal Reserve significa que o banco central está, por enquanto, mantendo as taxas de juros em 4,25% a 4,5%, embora não tenha descartado cortes posteriores.

As perspectivas de crescimento da Europa não mudaram muito. De fato, a ameaça de tarifas levou o Banco Central Europeu no início deste mês a reduzir o crescimento esperado na zona do euro este ano para apenas 0,9%.

Mas vários pontos positivos estão indicando a direção oposta. Embora os líderes europeus estejam nervosos com a ânsia de Trump de fechar um acordo de paz na Ucrânia com o presidente russo Vladimir Putin, a perspectiva derrubou o preço do gás natural na Europa.

E com o núcleo da inflação mais baixo na Europa do que nos EUA, o BCE cortou as taxas duas vezes este ano, para 2,5%, e provavelmente as diminuirá novamente, um vento favorável para os consumidores.

Enquanto isso, os líderes europeus estão determinados a agir em suas economias estagnadas, em nenhum lugar mais do que na Alemanha. Nesta semana, legisladores alemães alteraram seu “freio da dívida” constitucional para permitir efetivamente gastos ilimitados com defesa. O banco de investimento Evercore ISI estima que os gastos com defesa e infraestrutura aumentarão, chegando a 3% do produto interno bruto. O equivalente nos EUA seria de quase US$ 1 trilhão por ano.

Em um memorando na terça-feira, o partido conservador, que venceu as eleições do mês passado e liderou a medida (a qual será votada na sexta-feira pela câmara alta da legislatura), declarou: “Estamos nos defendendo contra ataques à nossa sociedade aberta e à nossa liberdade. Ao mesmo tempo, estamos fortalecendo as oportunidades de investimento da Alemanha em uma extensão sem precedentes”.

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, faz pressão na mesma direção, propondo isentar a defesa dos limites de déficit do bloco. Na quarta-feira, propôs um fundo de defesa de 150 bilhões de euros, o equivalente a US$ 164 bilhões.

A participação de fornecedores de armas dos EUA seria limitada, a menos que os Estados Unidos assinassem um acordo de segurança com a UE.

“A Segunda Guerra Mundial tirou os EUA da Grande Depressão; o rearmamento da Europa deve fazer maravilhas para as perspectivas cíclicas europeias”, escreveram Stephen Jen e Fatih Yilmaz, da Eurizon SLJ Capital, esta semana.

Mais importante do que os números é a mudança de mentalidade. a Alemanha promulgou seu freio da dívida em 2009, quando seus líderes estavam determinados a evitar a instabilidade que o excesso de dívida havia causado em seus vizinhos europeus.

Eles conseguiram, mas a um custo. A aversão ao endividamento manteve a demanda alemã deprimida e seu superávit comercial alto, ao mesmo tempo em que deixava os militares e a infraestrutura famintos. Marcando a mudança de mentalidade, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, disse antes da votação de terça-feira: “A situação de ameaça vem antes da situação financeira”.

A Alemanha não é o único lugar onde a política pró-crescimento está na moda novamente. O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Stamer, está implementando reformas de licenciamento para acelerar a construção de casas, infraestrutura e usinas nucleares. A chanceler do Tesouro, Rachel Reeves, prometeu esta semana aliviar as restrições às fusões.

A França, por sua vez, sinalizou que aprovaria empréstimos para financiar seis novos reatores nucleares, estimados em 2022 em 52 bilhões de euros.

Essas etapas podem levar anos para dar frutos e não há garantia de que a execução corresponderá à intenção. Mesmo assim, é notável que os líderes políticos tenham todos essa intenção. Por que agora? Trump pode receber algum crédito, embora não da maneira que a Europa gostaria.

Suas aberturas à Rússia, a ambivalência em relação à Organização do Tratado do Atlântico Norte e as tarifas prometidas criaram na Europa uma urgência em torno do rearmamento e da quebra das barreiras internas ao investimento e à inovação.

O líder conservador alemão Friedrich Merz, provavelmente o próximo chanceler, disse no mês passado que está claro que Trump “não se importa muito com o destino da Europa. Minha prioridade absoluta será fortalecer a Europa o mais rápido possível para que, passo a passo, possamos realmente alcançar nossa independência dos EUA”.

O presidente francês, Emmanuel Macron, citou no mês passado o mantra de Trump, “drill, baby, drill”, para promover sua própria agenda de aumento da eletricidade gerada por energia nuclear: “Aqui não há necessidade de perfurar; é conecte, baby, conecte”.

Trump não está apenas mudando o cálculo político na Europa. Na China, suas tarifas estão facilitando o caminho para mais estímulos fiscais. Andrew Batson, da Gavekal Research, estima que a China terá um déficit orçamentário de 10,9% do PIB este ano, o maior de todos os tempos, trazendo estímulos adicionais equivalentes a 2,4% do PIB.

Esses números “vão contra a narrativa popular de que o conservadorismo fiscal profundamente enraizado da China a impede de responder adequadamente a uma desaceleração econômica”, escreveu Batson.

Há uma ironia aqui. Se a Europa e a China conseguirem acionar os motores internos do crescimento, isso poderia, junto com o dólar mais fraco, ajudar a reduzir seus superávits comerciais com os EUA. As tarifas teriam alcançado o objetivo de Trump de reduzir o déficit comercial, mas não da maneira que ele esperava.

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