Edge Group, dos Emirados Árabes, investe no Brasil para criar uma ‘nova Embraer’, de mísseis

Rodrigo Torres, Edge Group
Rodrigo Torres, presidente e diretor financeiro do grupo desde 2021

O Edge Group, um conglomerado de empresas de tecnologia de defesa dos Emirados Árabes, desembarcou no Brasil há dois anos com um plano claro: aproveitar o melhor que o país tem a oferecer em mísseis antinavio, com o objetivo de desafiar um monopólio francês que já dura décadas.

O primeiro passo foi dado em 2023 com a aquisição de 50% da SIATT, uma empresa especializada em mísseis antinavios sediada em São José dos Campos (SP), que tinha como seu principal cliente a Marinha brasileira — a sigla, por sinal, significa Sistemas Integrados de Alto Teor Tecnológico.

Essa operação resultou na abertura do primeiro escritório da companhia fora dos Emirados. No ano seguinte, o grupo árabe comprou a carioca Condor, líder mundial em “tecnologias não letais” (NLT) de defesa, como gás lacrimongêneo, gás pimenta e bombas de efeito moral.

Até agora, o investimento no Brasil já somou US$ 3 bilhões.

A partir da estrutura brasileira, o grupo trabalha para desenvolver equipamentos bélicos e de segurança pública para o mercado internacional — num setor em franca expansão: o orçamento global destinado à defesa em 2024 foi de US$ 2,46 trilhões, uma alta de 7,4%, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês). O ritmo mais que dobrou desde 2023, quando a expansão foi de 3,5%.

Sede do Edge Group, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Foto: Divulgação/Edge Group

Brasil, uma escolha estratégica

O Edge Group nasceu em Abu Dhabi, em 2019, da união de mais de 20 empresas dos Emirados. Desde 2021 é presidido por um brasileiro, o carioca Rodrigo Torres, que também atua como CFO. E cresceu com aquisições no Brasil, na Polônia, na Estônia e na Suíça, além de joint ventures na Itália e na Espanha. No total, já são 54 empresas sob as asas do Edge, com 25 mil funcionários e receita de US$ 5 bilhões em 2024.

A escolha do Brasil não tem a ver com a nacionalidade do presidente, mas com algo mais objetivo. Rodrigo entende que o país é capaz de desenvolver tecnologias avançadas a custos mais baixos do que os países desenvolvidos.

“A SIATT era uma empresa pequena, com poucas pessoas. Conseguiu administrar projetos enormes com orçamentos pequenos. Vimos então potencial não só de crescer no Brasil, mas em exportações”, diz Torres, engenheiro que fez carreira na General Electric e no Grupo Renault em diversos países da Europa e Ásia.

Pensando assim, ele tem planos ambiciosos para o projeto do Edge Group no Brasil: transformar a SIATT na “nova Embraer”. Nem precisa traduzir: uma empresa nacional com tecnologia capaz de rivalizar com gigantes globais, cativar mercados em todos os países e conquistar receitas bilionárias.

Leia mais

  • Trump acelera a corrida militar na Europa e impulsiona ações do setor de defesa
  • A austera Alemanha cede à tentação e anuncia gasto bilionário para as forças armadas
  • Quem é o ‘sheik espião’ que tem US$ 1,4 trilhão para gastar – e está com pressa

Monopólio francês

O principal projeto da empresa é o Míssil Antinavio Nacional de Superfície (MANSUP), com capacidade de percorrer até 70 km no mar. Para isso, o grupo está investindo na construção de uma fábrica da SIATT em Caçapava (SP), vizinha de São José dos Campos. O valor total não foi divulgado, mas ela deve ser inaugurada em setembro, empregar 250 pessoas e incluir uma parceria acadêmica com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) para a criação de um programa de pós-graduação integrado em engenharia.

Não por coincidência, o ITA é o celeiro de engenheiros da Embraer desde a fundação da companhia. A sede da fabricante de aviões fica em São José justamente porque essa é a cidade que abriga o instituto.

O míssil da SIATT concorre com o famoso Exocet, criado na década de 1970 pela empresa francesa MBDA e que ganhou notoriedade em 1982, durante a Guerra das Malvinas, quando foi usado pela Argentina para afundar duas embarcações britânicas.

A partir dali, o Exocet passou a ser comprado por marinhas de todo o mundo e praticamente monopolizou o mercado, inclusive ditando preços. E isso abre portas para alternativas.

“O interesse está lá. Todas as marinhas estão realmente buscando uma solução que não seja a francesa, já que o preço dela é bem alto”, explicou Torres.

Por enquanto, o principal parceiro nessa área é a Marinha do Brasil, que no fim de 2023 fechou uma parceria com o Edge Group no valor de US$ 163 milhões para substituir seus Exocets.

Um dos primeiros contratos nesse entendimento foi fechado em fevereiro, para o fornecimento de 16 mísseis que vão ser carregados nas quatro fragatas da classe Tamandaré em produção, com as primeiras entregas para o fim deste ano.

E por conta do Edge Group a SIATT fechou um acordo de exportação para os Emirados Árabes — o primeiro para um cliente de fora. O país assinou um contrato de US$ 299 milhões para comprar mísseis MANSUP.

Família de mísseis Mansup, da Siatt, inclui o modelo Mansup, com alcance de até 70 quilômetros, e Mansup-ER, com alcance maior. Foto: Divulgação/Edge Group

Defesa x segurança pública

Com a Condor, a estratégia do Edge Group tem duas frentes. A primeira é consolidar uma posição no mercado de armas não-letais, que, ao contrário do de mísseis, é muito mais fragmentado, com diversas empresas disputando fatias relevantes de um negócio que movimenta US$ 6 bilhões em todo o mundo. A segunda é aproveitar a capilaridade da Condor, que já faz negócios com 85 países diferentes, para aumentar o alcance global do grupo.

A Condor tem 400 funcionários em sua sede no Rio de Janeiro, e o Edge Group já anunciou que vai construir mais uma fábrica, desta vez no Interior de São Paulo.

A cidade paulista será escolhida ainda em 2025, segundo Rodrigo Torres, e deve olhar para a área de segurança pública no Brasil e na América Latina.

A Condor, especialista em tecnologias não letais, foi a segunda empresa adquirida pelo Edge Group no Brasil. Foto: Divulgação/Edge Group

“Quando a gente vê a América Latina, o orçamento destinado à defesa é limitado, mas o orçamento na parte de law enforcement, segurança pública, não”, diz ele. “Se você for ver a polícia de São Paulo, acho que são 350 mil pessoas. É maior que muito exército.”

Isso abre espaço, de acordo com ele, para produtos tecnológicos de segurança pública, como câmeras corporais, que a nova fábrica vai produzir.

Por enquanto, o grupo conversa com secretarias estaduais Brasil afora, mas ainda não fechou um contrato.

Já com o governo federal fechou: R$ 7 milhões com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) para o fornecimento de armas não letais.

Além da atuação direta na Condor e na SIATT, Torres diz que o Edge não encerrou suas aquisições no Brasil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.