Novo plano de negociação de dívida ativa da União dobra valores recuperados em cinco anos

Criada em 2020, a “Transação Tributária”, programa pensado como última tentativa de negociar pagamentos de dívidas ativas da União consideradas “irrecuparáveis”, conseguiu dobrar o valor recuperado pelo governo federal. Em 2024, ela já se tornou a modalidade mais eficaz da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para regularizar o status de empresas e pessoas físicas junto ao Fisco.

Em 2024, a procuradoria conseguiu recuperar R$ 59,9 bilhões da dívida ativa da União, 2,3 vezes mais que os R$ 25,7 bilhões recuperados em 2020 e 30% mais alta que a previsão para o ano passado. Só em transações tributárias foram resgatados R$ 34,1 bilhões, ou 56,9% do total, segundo o relatório “PGFN em Números 2024”, divulgado nesta quarta-feira (19) em São Paulo.

Os devedores da União podem ser pessoas físicas ou jurídicas que não tenham pago impostos federais, taxas ou outras contribuições, como pagamentos previdenciários (que são tributários), multas trabalhistas ou eleitorais (que são consideradas não tributárias).

Por causa da eficácia do programa, a PGFN vai expandir neste semestre as regras de adesão para novos grupos de pessoas físicas e jurídicas com dívidas irregulares com o governo.

Segundo Anelize Almeida, procuradora-geral da Fazenda Nacional, o objetivo é tornar a PGFN um órgão mais focado em “soluções consensuais” do que litigiosas.

Nos primeiros cinco anos do programa, a Transação Tributária foi destinada a celebrar acordos com devedores que a PGFN já tentou cobrar de diversas formas, inclusive levando a dívida à Justiça, e que não tenham capacidade de pagar a dívida, segundo critérios da procuradoria.

Formas de adesão

Nesse caso, há dois tipos de adesão:

  • Por meio de editais, em geral voltados a microempresários ou pequenas empresas, que são muitos em volume, mas representam um valor médio devido menor;
  • Por adesão individual, forma mais comum para grandes empresas com dívidas acima de R$ 15 milhões.

Mais de 3 milhões de acordos dos dois tipos foram celebrados desde 2020, e os pagamentos futuros desses processos somam R$ 750 bilhões. Outros R$ 77 bilhões já foram reavidos, quase metade só em 2024.

Esses acordos incluem a negociação com a Gol e a Azul, para regularizar dívidas previdenciárias e fiscais de R$ 7,5 bilhões durante o período de recuperação judicial, e o acordo com a Varig, que decretou falência há duas décadas, mas ainda devia R$ 170 milhões em créditos tributários e mais R$ 800 milhões referentes ao FGTS dos trabalhadores.

Neste ano, a PGFN lançou a primeira edição do Programa de Transação Integral (PTI), um novo tipo de adesão, destinado a grandes contribuintes em dívida, mas com capacidade de pagamento. Os primeiros três editais foram abertos em dezembro e têm prazo de adesão até o fim de junho.

Transação tributária x parcelamento convencional

Segundo Anelize Almeida, a Transação Tributária foi desenhada para corrigir problemas identificados nos programas de parcelamento convencional, que tiveram diversas edições nos últimos 20 anos, oferecendo descontos para que os devedores regularizassem a dívida.

Porém, segundo Anelize, ele acabou levando pessoas físicas e jurídicas à inadimplência como estratégia de aderir ao Refis e negociar o pagamento.

“A gente concluiu, a partir dos dados, que os Refis eram programas que criavam rolagem de dívida. Eles tinham, num primeiro momento, impacto positivo na arrecadação. Mas passado algum tempo, ele derrubava a arrecadação tributária”, explicou ela. “Ele criou uma cultura de inadimplemento, na expectativa de cada vez mais conseguir novos descontos.”

Já na Transação Tributária, de acordo com a procuradora-geral, os créditos são considerados “irrecuperáveis” pelo governo. Ou seja, após diversas tentativas, inclusive litígios, historicamente a PGFN consideraria as opções esgotadas. “Eles não iam ser cancelados. Seguiram registrados no nome do contribuinte, incomodando o contribuinte. Mas seriam deixados de lado.”

Os acordos são de “concessão mútua”. Isso quer dizer que, em troca de descontos no total devido e alongamento do pagamento (que em média varia entre 80 e mais de 120 meses), a PGFN pede uma série de contrapartidas para os devedores.

Uma delas é reconhecer a dívida, o que extingue a possibilidade de futuras ações judiciais. Ainda há outras cláusulas, como a exigência de garantias, como um imóvel ou um seguro, o que reduz a chance de as parcelas futuras não serem quitadas.

Após o lançamento do novo programa, mesmo com as restrições de adesão, entre 2020 e 2024, a União já realizou mais de 3 milhões de acordos dentro da transação tributária, no valor total de cerca R$ 750 bilhões — quase 90% desse montante ainda será pago nos próximos anos.

Dívida do FGTS

No total, a procuradora recuperou R$ 61 bilhões em 2024, considerando também quase R$ 1,5 bilhão em dívidas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que, quando pagas, são depositadas diretamente nas contas individuais dos trabalhadores.

O valor é 103% maior que os R$ 689 milhões recuperados em 2023, e dez vezes superior ao patamar de dez anos atrás.

Nesse caso, o aumento da recuperação se deve a reorganizações estruturais do processo de inscrição do débito do FGTS na dívida ativa da União, passo obrigatório para a cobrança judicial. Antes, a Caixa Econômica Federal inscrevia a dívida após esgotar as tentativas de cobrança administrativa. Agora, a inscrição é feita automaticamente.

“O tempo é fator altamente relevante para o sucesso”, disse Anelize, ressaltando que, internamente, a procuradoria também uniu as equipes dedicadas à dívida ativa e à dívida do FGTS, aumentando a eficiência do trabalho dos procuradores em todo o Brasil.

As medidas da PFGN se deparam com um desafio incessante: o aumento do estoque da dívida. Em 2024, ela superou os R$ 3 trilhões, devidos por mais de 7 milhões de pessoas físicas e jurídicas. Só um terço desse montante está regular, com dívidas reconhecidas e pagamentos parcelados. O restante está em fase de cobrança pela PGFN.

Já o FGTS tem R$ 52,9 bilhões em fase de cobrança, com 236 mil devedores.

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