Luz supersólida: avanço científico poderia transformar a computação para sempre

Pela primeira vez na história, cientistas conseguiram transformar luz em um supersólido, um estado quântico da matéria que pode revolucionar a indústria de supercondutores e até a computação quântica no futuro próximo. O estudo foi publicado na renomada revista científica Nature no começo de março.

O experimento foi realizado com polaritons, partículas híbridas de luz e matéria, em um cristal fotônico especialmente projetado por uma equipe internacional de pesquisadores liderada por Dimitrios Trypogeorgos e Antonio Gianfrate, do CNR Nanotec (Instituto de Nanotecnologia) na Itália, em colaboração com cientistas da Universidade de Innsbruck (Áustria), Universidade de Pavia (Itália), Universidade de Trento (Itália), Laboratório Nacional de Berkeley (EUA) e Universidade de Princeton (EUA).

O que é um supersólido e por que isso é tão incrível?

Os supersólidos são um dos estados mais misteriosos da matéria. Eles combinam as propriedades de um sólido — ou seja, uma estrutura ordenada e rígida — com a fluidez de um superfluido, o que significa que podem fluir sem resistência. Isso os torna altamente promissores para diversas aplicações tecnológicas.

Até agora, esse fenômeno só havia sido observado em gases atômicos ultrafrios. Mas agora, pesquisadores conseguiram criar esse estado exótico usando fótons acoplados a quasipartículas — uma técnica inovadora que pode facilitar a exploração dos supersólidos em ambientes controlados.

Não entendeu nada? Vamos descomplicar. Se você já viu um cubo de gelo, sabe que ele é sólido e rígido, certo?. Agora, imagine que esse gelo tem um comportamento mágico: ele mantém sua forma sólida, mas ao mesmo tempo pode escorrer como um líquido, sem resistência ou atrito. Parece coisa de ficção científica, mas essa é a ideia por trás de um supersólido!

Normalmente, os materiais são ou sólidos (com estrutura fixa) ou líquidos (com fluidez). Mas no estado supersólido, eles combinam os dois comportamentos ao mesmo tempo: possuem ordem cristalina, como um sólido, mas fluem livremente, como um líquido sem viscosidade.

Agora, o mais impressionante: cientistas conseguiram fazer isso com luz!

Reprodução/Nature Photonics

🔍 O que são os polaritons e o papel do cristal fotônico?

Para fazer isso, os pesquisadores usaram polaritons, que são partículas híbridas. Elas nascem quando um fóton (partícula de luz) se acopla a um éxciton (uma espécie de “buraco” criado quando um elétron é excitado em um material). Esse casamento entre luz e matéria gera um novo tipo de partícula, que pode ser manipulada de forma única.

Mas onde essas partículas ficam “presas”? A resposta está no cristal fotônico, que funciona como uma espécie de gaiola para luz. Ele é um material projetado para confinar e guiar fótons de maneira controlada, permitindo que eles interajam fortemente com a matéria e criem novas propriedades.

Dentro desse cristal, os polaritons foram organizados de uma forma que quebraram a simetria espacial, formando um padrão ordenado, mas ainda fluindo como um líquido quântico. Ou seja, a luz foi transformada em um supersólido!

Isso pode parecer um conceito distante da tecnologia atual, mas abre caminho para novas formas de computação e eletrônica, usando luz de maneiras nunca antes vistas!

Como os cientistas criaram um supersólido com luz?

Como vimos acima, o experimento foi realizado em um condensado de polaritons — um sistema onde a luz interage fortemente com a matéria. Usando um cristal fotônico, os cientistas conseguiram manipular a luz de forma que os fótons se combinassem com excitações eletrônicas da estrutura, formando um estado ordenado e coeso, mas que ainda pode fluir livremente.

Tal abordagem permitiu que a equipe observasse um comportamento típico dos supersólidos, como a quebra espontânea de simetria translacional, um fenômeno para confirmar que a luz realmente assumiu esse novo estado da matéria. Funciona assim:

Passo 1: escolha da plataforma experimental

Os pesquisadores usaram um cristal fotônico especialmente projetado, que atua como um meio de confinamento para luz e matéria.

Passo 2: criação dos polaritons

Foi utilizado um condensado de polaritons, que são partículas híbridas formadas pela interação entre fótons (luz) e éxcitons (quasipartículas de matéria) dentro do cristal.

Passo 3: indução do estado de condensação

Os cientistas resfriaram o sistema a temperaturas criogênicas, provavelmente na faixa de algumas dezenas de Kelvin (acima do zero absoluto, mas ainda extremamente frio).

Com essa redução de temperatura, os polaritons começaram a se comportar coletivamente, formando um Condensado de Bose-Einstein (BEC), um pré-requisito para a criação do supersólido.

Para estimular esse processo, um laser pulsado foi utilizado, excitando os polaritons e permitindo que eles entrassem nesse estado quântico especial.

Passo 4: modulação da densidade

O cristal fotônico impôs uma periodicidade nos polaritons, criando uma modulação na densidade do condensado. Isso é crucial para a formação do estado supersólido.

Passo 5: observação da supersolidez

O time mediu propriedades do sistema e observou a quebra espontânea de simetria translacional, uma assinatura de que a luz estava exibindo comportamento supersólido.

Passo 6: análises de coerência e estabilidade

Foram feitas medições interferométricas para verificar a coerência do estado quântico, confirmando que os polaritons mantinham um comportamento supersólido sem perda de fase.

Passo 7: estudo do impacto em aplicações futuras

Os pesquisadores analisaram o potencial uso do supersólido de luz em supercondutores, computação quântica e dispositivos fotônicos.

O papel das temperaturas extremas

Os supersólidos só podem existir sob condições extremas, em temperaturas próximas ao zero absoluto (-273,15°C).

Nessa faixa, a agitação térmica das partículas praticamente desaparece, permitindo que os efeitos quânticos assumam o controle do sistema. Isso cria um ambiente ideal para que propriedades incomuns, como a fusão entre solidez e fluidez, possam emergir.

Quando não há calor suficiente para causar o movimento aleatório das partículas, elas se organizam espontaneamente em uma estrutura ordenada, sem interferências térmicas.

Tal comportamento leva à formação de um material extremamente estável e sem viscosidade, algo que não ocorre nos fluidos convencionais, que sempre apresentam resistência ao movimento.

Reprodução/J. Ditzel

💡 Um exemplo real: o hélio-4

Uma forma bem conhecida desse fenômeno ocorre com o hélio-4. Quando resfriado a temperaturas extremas, ele se torna um superfluido, capaz de fluir sem resistência e até desafiar a gravidade, subindo pelas paredes do seu recipiente. Isso acontece porque ele entra em um estado quântico onde as leis normais dos fluidos não se aplicam mais.

Agora, com a criação do supersólido de luz, os cientistas demonstraram que essas propriedades quânticas não se limitam apenas a átomos.

O impacto na computação quântica e no hardware do futuro

O que torna essa descoberta ainda mais empolgante é o seu impacto potencial no mundo da computação e dos dispositivos eletrônicos. Afinal, a descoberta pode levar a avanços impressionantes na computação quântica, supercondutores de alta eficiência e até mesmo novos tipos de lubrificantes sem atrito para tecnologia de ponta.

Supersólidos podem ajudar a pavimentar o caminho para:

  • Supercondutores mais eficientes: a ausência de resistência pode permitir transmissões de eletricidade sem perdas, aprimorando redes de computação de alta performance.
  • Computação quântica: o estado supersólido pode ajudar no desenvolvimento de qubits mais estáveis, aumentando a eficiência e a confiabilidade dos computadores quânticos.
  • Memórias ultrarrápidas: dispositivos baseados em supersólidos poderiam armazenar e processar informações em velocidades sem precedentes.
  • Novos materiais para chips e circuitos: a possibilidade de criar superfícies quânticas que combinam fluidez e estrutura abre caminho para arquiteturas inovadoras.

A pesquisa mostra que a luz pode ser controlada de maneiras inimagináveis, abrindo portas para um futuro onde a computação quântica atinja níveis de eficiência antes considerados impossíveis

Supersólidos de Luz vs Tecnologias Atuais

Parâmetro Supersólidos de Luz Tecnologias Atuais (Silício)
Temperatura de operação Criogênica próximo ao zero absoluto (~-273°C) Temperatura ambiente (~25°C)
Velocidade de processamento (teórica) Potencialmente 1000x mais rápido que semicondutores convencionais Geralmente até alguns GHz (1-5 GHz em CPUs comuns)
Consumo de energia Extremamente baixo (quase sem dissipação de calor) Médio a alto (dissipação de calor requer resfriamento)
Escala de fabricação Ainda em estágio experimental, sem produção em larga escala Produzido em escala massiva (bilhões de chips por ano)
Tempo de desenvolvimento até aplicação comercial Estimado em pelo menos 10-20 anos Já consolidado, evolução incremental a cada ano

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E agora, qual o próximo passo?

A pesquisa ainda está só nos primeiros estágios, mas os cientistas já planejam novas formas de explorar e manipular esse estado de matéria. A possibilidade de fabricar dispositivos baseados em supersólidos está se tornando mais concreta, o que pode levar a uma nova geração de hardware quântico.

Se essa tecnologia for bem explorada, podemos estar diante de um dos maiores saltos na computação desde o surgimento dos semicondutores. E agora que a luz pode se tornar um supersólido, quem sabe até onde a Ciência pode chegar?

Fonte: Nature

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