
Em 24 de março de 2015, copiloto de voo que ligava Barcelona a Düsseldorf esperou comandante sair da cabine e travou a porta, jogando a aeronave contra uma montanha no sul da França. Todos os 150 ocupantes morreram na queda. Airbus A320 da companhia alemã Germanwings, no aeroporto de Berlim, na Alemanha, em março de 2014
Jan Seba/Reuters/Arquivo
Na aviação, costuma-se dizer que uma tragédia sempre gera aprendizados para tornar os voos mais seguros. O caso do voo Germanwings 9525 é um dos raros em que uma mudança feita em nome da segurança —após os atentados de 11 de Setembro de 2001— foi fundamental para causar um novo desastre.
A tragédia ocorreu há 10 anos, em 24 de março de 2015, com um Airbus A320 da Germanwings, uma subsidiária da companhia aérea alemã Lufthansa, que fazia um voo entre Barcelona e Düsseldorf. A aeronave se chocou de frente com uma cadeia de montanhas nos Alpes Franceses; as 150 pessoas a bordo, das quais 144 passageiros e seis tripulantes, morreram.
Mas não foi um acidente aéreo — todos os equipamentos da aeronave funcionaram normalmente, segundo investigação conduzida pelo birô francês de aviação (BEA). A conclusão foi que Andreas Lubitz, copiloto do voo, esperou o comandante sair da cabine para ir no banheiro. Então, trancou a porta da cabine de pilotagem por dentro e pilotou a aeronave até o choque contra as montanhas.
O copiloto
Lubitz, de 27 anos, era considerado um aluno acima da média pelos instrutores durante seu treinamento. Era sabido, entretanto, que ele havia interrompido sua formação por quase um ano, entre 2008 e 2009, para tratar um episódio de depressão.
Ele foi contratado pela Germanwings assim que se formou, e seus colegas jamais relataram qualquer episódio grave no trato pessoal. A investigação do episódio descobriu, porém, que ele voltou a buscar tratamento médico em dezembro de 2014.
Ao buscar atendimento particular, Lubitz estava protegido pela relação de confidencialidade entre médico e paciente, e o piloto não reportou seus problemas de saúde à companhia aérea, como deveria ter feito.
Ele enfrentava questões mais graves, no entanto. Foi encaminhado para um psicólogo e um psiquiatra no início de 2015. Ele também reclamava de problemas de visão, que poderiam ter colocado um fim à sua carreira de piloto, mas existe a possibilidade de que este tenha sido sintoma de um episódio psicótico.
Semanas antes de voar para Barcelona, o psiquiatra com o qual consultava produziu um diagnóstico de possível depressão psicótica. Sem o conhecimento da Germanwings, ele iniciou tratamento com antidepressivos, os quais podem acentuar os sintomas nas primeiras semanas, antes de produzir o efeito desejado.
Além disso, o piloto relatou que tinha insônia severa e quase não dormia. Ele seria impedido de atuar caso a companhia aérea tivesse conhecimento de qualquer um dos seus problemas de saúde.
Foto de arquivo mostra Andreas Lubitz, o copiloto do voo 9525, correndo na Airportrun, em Hamburgo (Alemanha), em setembro de 2009
Michael Mueller/AP
Lacônico
No dia 24 de março, Lubitz decolou de Düsseldorf com destino a Barcelona ao lado do comandante Patrick Sondenheimer, de 34 anos. A “perna” entre Alemanha e Barcelona foi realizada sem problemas. Em um momento no qual Sondenheimer saiu da cabine, porém, Lubitz alterou o comando de altitude da aeronave para 30 metros e depois para 14,6 mil metros, o máximo possível naquele Airbus. Mas o avião estava em piloto automático, e a aeronave se manteve na mesma direção, de acordo com a investigação.
O voo de volta do aeroporto de Barcelona El Pratt tinha a mesma tripulação. Ficou decidido que, naquela perna, Lubitz, apesar de copiloto, seria responsável por pilotar o avião, enquanto Sondenheimer se encarregaria da navegação e da comunicação. Esse expediente é usual na aviação, já que ambos os pilotos têm permissão e certificação para voar.
A decolagem ocorreu sem problemas, e o A320 entrou em altitude de cruzeiro, a 11,5 mil metros, entrando no espaço aéreo francês.
Com base nas conversas gravadas pela caixa-preta, o relatório final aponta que Lubitz passou a ficar mais lacônico na comunicação com seu colega, até que ele lembrou seu colega de que ele não tinha ido ao banheiro durante a parada na Espanha.
Após a saída de Sondenheimer da cabine, Lubitz trancou a porta e remanejou a altitude do voo para apenas 30 metros, uma altitude incompatível com aquela fase do voo. Nos minutos seguintes, ele também retirou a o controle de velocidade do modo automático e acelerou gradativamente a aeronave.
O movimento não foi sentido imediatamente pelos passageiros, mas a torre de controle de Marselha percebeu —e indagou mais de dez vezes sobre a saída do plano de voo, sem receber qualquer resposta. Outras aeronaves nas redondezas também tentaram contato por rádio, e até mesmo a Força Aérea Francesa chegou a ordenar a decolagem de um caça para interceptar o Airbus.
Lubitz não disse uma palavra, mas pelo rádio era possível ouvir sua respiração, aparentemente tranquila.
Sondenheimer voltou do banheiro e tentou entrar na cabine, mas a encontrou trancada. Ele bateu na porta diversas vezes, gritou e até pediu ajuda dos comissários, sem sucesso. Ao perceber pela escotilha a perda de altitude, a investigação presume que ele começou a ficar preocupado –a descida se dava rapidamente para os padrões da aviação comercial.
A preocupação do comandante precipitou o desespero entre comissários e passageiros. Sondenheimer também tentou abrir a porta por meio de um código, mas, por estar fechada por dentro, sua tentativa foi inútil. Em uma última ação desesperada, ele até tentou usar um objeto para golpear a porta, que não cedeu. Em uma questão de minutos, o Germanwings saiu de sua altitude de cruzeiro para explodir contra as montanhas.
Porta à prova de balas
Sistemas que travam a porta da cabine de aviões existem desde a década de 1980, mas depois dos ataques de 11 de Setembro, as agências reguladoras intensificaram as regras de proteção dos pilotos, alvos dos atentados de 2001.
Até então, era possível visitar a cabine de comando durante o voo. Então, os pilotos dos quatro aviões sequestrados por terroristas foram rendidos e as aeronaves redirecionadas para alvos como o World Trade Center e o Pentágono.
No caso do Germanwings 9525, o Airbus A320 conta com um botão no painel que o piloto pode acionar para trancar a porta. Caso ele esteja na posição “lock”, não é possível ter acesso à cabine nem mesmo com a senha de acesso. Esse dispositivo serve para que nenhum potencial sequestrador tenha acesso aos comandos, mesmo que faça um membro da tripulação digitar a senha sob coação.
Além disso, a porta que separa o cockpit da área dos passageiros é resistente a tiros e até à explosão de uma granada.
Depois da tragédia da Germanwings, foi recomendado que as companhias aéreas exigissem a presença de duas pessoas na cabine de pilotagem a todo momento – que um comissário, por exemplo, permanecesse lá dentro durante a ausência de um dos pilotos.
Exames psicológicos de pilotos também se tornaram mais frequentes e rígidos. O CEO da Lufthansa, Carsten Spohr, propôs na época a flexibilização das regras de confidencialidade entre médico e paciente em determinados casos, como de pilotos de aviação.
Veja imagens do local do acidente com o avião da Germanwings
Questionamento
A família de Andreas Lubitz contesta as conclusões da investigação oficial do BEA.
Um relatório produzido a pedido do pai de Andreas pelo jornalista especializado Tim van Beveren afirma que a respiração de Lubitz indicaria perda de consciência, e que a perda de altitude se deu por um problema que já havia sido relatado antes em aeronaves A320. Uma outra falha também teria trancado a cabine por dentro.
Críticos dessa teoria apontam a improbabilidade da conjunção de fatores, que precisariam ocorrer quase ao mesmo tempo, justamente na ausência do comandante.
Voo Germanwings 9525
Editoria de Arte/g1