Carros elétricos: o impasse que trava a popularização dos carregadores rápidos

O calcanhar de Aquiles dos carros elétricos sempre foi o tempo de recarga: sete horas num carregador doméstico. Daí o impacto do anúncio que a BYD fez na semana passada: uma tecnologia capaz de “encher o tanque” de um elétrico em 5 minutos.

Pela primeira vez na história, o tempo de reabastecimento será quase o mesmo de um carro a gasolina. É um marco. Para começar, cortaria a necessidade ter carregador na garagem. É só parar no posto quando precisar, como os astecas já faziam.

Mas quando olhamos o assunto sob as lentes da economia de mercado, fica claro que falta chão até que abastecimentos de 5 minutos entrem para o dia a dia dos donos de elétricos. Muito chão.

Vale contextualizar. Há os carregadores lentos e os carregadores rápidos. Com os primeiros, você leva horas e horas para recarregar; com os últimos, dependendo da potência, bastam 30 minutos para conferir uma autonomia decente, de mais de 300 km.

A ideia aqui não é entrar em pormenores eletrotécnicos, mas para quem não é familiarizado, vale guardar a nomenclatura. Os lentos usam corrente alternada (AC); os rápidos, corrente contínua (DC). 

A energia elétrica da rede é distribuída em AC. Por isso, os carregadores domésticos são limitados a esse sistema, intrinsecamente mais lento para recargas.

Já os carregadores rápidos ficam em pontos comerciais, abertos ao público – ainda que boa parte deles ainda tenha apenas carregadores AC. Quando o aparelho é DC, o próprio eletroposto faz a conversão de corrente alternada para contínua, e as adaptações de instalação elétrica que isso pede. 

Não são poucas as adaptações.

Mede-se a potência de um carregador em kilowatts. Um doméstico tem uns 7 kW. É mais que um chuveiro elétrico típico, no modo inverno (5,5 kW). Até por isso condomínios com instalações antigas não permitem wallboxes na garagem. 

E um rápido é bem mais potente. Eles têm algo próximo de 50 kW – o que já dá 9 chuveiros.

Um muito rápido, capaz de garantir 300 km de autonomia em 15 minutos, vale por 45 chuveiros. É o caso do Tesla Supercharger V3, que opera com uma potência de 45 kW e consegue uma autonomia de 320 km em 15 minutos (algo já bem razoável para o dia a dia, ou a estrada). 

E aí tem o sistema da BYD, que ela batizou de Super e-platform e chega em abril. São 1 mil kW. Ou seja, um megawatt.

Em chuveiros elétricos, isso dá 182: ou seja, um condomínio de duas torres de 22 andares cada uma com quatro apartamentos por andar. E com todo mundo tomando banho ao mesmo tempo.

Tudo isso concentrado num único carregador. Imagine, então, um eletroposto com oito. Ele consumirá tanta energia quanto Parati (RJ), que tem 45 mil habitantes e uma demanda média de 8 MW a 10 MW. Ou seja: um eletroposto dessa monta exigirá tanta parafernália elétrica quanto uma cidade nem tão pequena. 

Não é algo que se ergue do dia para a noite. A BYD anunciou que pretende instalar 4 mil desses pontos na China no futuro próximo. O número parece grande, mas some ante o total do Império do Meio. O país abriga 3,4 milhões de carregadores públicos – 70% de todos os que existem no mundo (cortesia da meta do governo local, que é universalizar os elétricos). Bom, esses 4 mil representarão só 0,1% do total chinês.

Isso acontece porque o sistema da BYD não envolve só o carregador. Envolve também a tecnologia a ser embarcada nos carros para que eles aceitem a potência de 1 megawatt sem derreter. 

Essa parte também é nova, e cara. Os únicos carros da marca que terão essa adaptação (a partir de abril) serão as nova versões do BYD Han e do BYD Tan – no Brasil, os dois modelos (na versão “antiga”) custam ao norte dos R$ 500 mil.

BYD Han. Novo modelo, o Han L, chega em abril pronto para a recarga “instantânea”. No Brasil, a versão atual custa R$ 560 mil

Também vale notar que não se trata exatamente de “encher” o tanque em 5 minutos. Nos testes da empresa com o carregador de 1 MW, o novo Han foi de 7% a 50% da bateria nesse tempo – o que lhe garante 400 km de autonomia (como em qualquer carro, ou celular, o carregamento parcial é exponencialmente mais veloz do que o parcial).         

Seja como for, fato é que o carregamento em 5 minutos ainda é incipiente.

E talvez não seja tão necessário, ao menos neste primeiro momento. A imensa maioria dos usuários de elétricos carrega em casa, e isso basta para a locomoção urbana. 

Já para quem não tem nem pode ter carregador só valeria a pena ter um elétrico se houvesse um sistema rápido como este da BYD, ou mesmo equivalente ao Tesla Supercharger, no posto de gasolina ao lado de casa.

E não vai rolar tão cedo. O Supercharger existe há 10 anos nos EUA. E até hoje só 15% dos carregadores públicos são desse tipo (30 mil, contra um total de 210 mil). Mais: os carregadores DC como um todo por lá (contando os supers e os nem tão supers) respondem por apenas 25% do total, bem menos que os 56% da China. No Brasil, são 16% (2 mil, de um total de 12 mil). 

Seja no caso americano, seja no caso brasileiro, é pouco. Ainda mais levando em conta que só os carregadores DC são eficientes de fato para recargas na estrada.

O investimento em eletropostos rápidos só vai valer a pena como negócio se houver público. Na cidade, a concorrência com carregadores domésticos talvez seja pesada demais – sete horas durante a noite, afinal, não doem nada; você está dormindo. Na estrada, simplesmente falta público potencial. Os donos de elétricos evitam viajar com eles justamente pela falta de carregadores DC. 

E elas só vão se espalhar pelas rodovias numa realidade em que as pessoas colocassem seus elétricos na estrada. Um impasse; ainda longe de uma solução em qualquer lugar que não seja a China.     

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