Economista critica uso do FGTS como garantia: “É se endividar pelo que já é seu”

A proposta do governo federal de permitir que o trabalhador use o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) como garantia para empréstimos reacendeu o debate sobre o acesso ao crédito no Brasil. Embora apresentada como uma medida para ampliar a inclusão financeira e reduzir os juros, a iniciativa tem sido alvo de críticas de especialistas, entre eles o professor Hugo Garbe, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Para o economista, a proposta representa uma inversão preocupante da função original do FGTS, criada para proteger o trabalhador em momentos críticos da vida — como demissão, aposentadoria ou aquisição da casa própria. “O fundo foi pensado como uma rede de proteção social. Transformá-lo agora em moeda de troca para obter crédito é, no mínimo, um sinal de que algo está fora do lugar”, afirma.

Segundo o professor, o acesso ao crédito, ainda que com juros supostamente mais baixos, não pode ser tratado de forma simplista. “É justo que o trabalhador precise se endividar para usar um recurso que já é dele? Essa é uma discussão que vai além da técnica, é uma questão de prioridades sociais”, pontua.

Uso do FGTS: endividamento estrutural das famílias

Garbe chama atenção para o contexto econômico em que a proposta é apresentada. O nível de endividamento das famílias brasileiras permanece elevado, pressionado por dívidas com cartão de crédito, crédito consignado, rotativo e parcelamentos. Nesse cenário, a autorização para usar o FGTS como garantia pode, na prática, alimentar ainda mais o ciclo do superendividamento.

Estamos lidando com um país em que milhões já comprometem parte significativa da renda com dívidas. Ao permitir mais uma modalidade de crédito, estamos adicionando lenha à fogueira”, critica.

Além disso, mesmo que a proposta prometa juros menores, o patamar atual da taxa Selic, próximo de 15% ao ano, ainda impõe um custo elevado aos tomadores. “Não é uma solução sem custo. Pelo contrário: há o risco real de o trabalhador perder a proteção do FGTS e ainda carregar uma dívida cara.

Fragilidade no modelo

Para o professor, o argumento de que a medida amplia o acesso ao crédito pode até fazer sentido do ponto de vista técnico, mas ignora uma questão central: o modelo de sociedade que se está construindo.

Ao invés de facilitar o uso consciente do FGTS, o que se propõe é usar o fundo como lastro para dívidas. Isso reforça uma lógica perigosa, na qual o trabalhador precisa recorrer ao crédito para acessar um dinheiro que já é seu por direito”, explica Garbe.

Alternativa ao uso do FGTS: liberar com responsabilidade

Como alternativa, o economista sugere um modelo que preserve a função original do FGTS, mas que permita liberações emergenciais com responsabilidade. Para ele, dar ao trabalhador autonomia sobre seus próprios recursos é mais eficaz e ético do que amarrá-lo a novas dívidas.

A proposta correta seria permitir que, em determinadas circunstâncias bem definidas, o trabalhador possa acessar diretamente o FGTS — sem precisar pagar juros ou recorrer a bancos”, defende.

Garbe conclui que o debate sobre o uso do FGTS deve ser guiado não apenas pela eficiência econômica, mas também pela sensibilidade social e pela proteção do trabalhador. “É uma discussão sobre o país que queremos construir.”

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