Por Que Trump Aposta nas Tarifas para Reindustrializar os Estados Unidos?

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A guerra comercial que antes era apenas uma promessa de campanha do presidente americano Donald Trump, agora se tornou realidade. Ainda durante sua campanha, o então candidato republicano chegou a afirmar que a palavra mais bonita que existe é “tarifas”. Ou seja: a postura agressiva com relação à imposição de barreiras protecionistas não pegou ninguém de surpresa — mas tomou proporções maiores do que as imaginadas pelo mercado.

No dia 2 de abril, batizado de Dia da Libertação por Trump, o governo americano anunciou uma tarifa mínima de 10% para todos os países que negociam com os Estados Unidos. As autoridades também declararam uma taxa ainda maior para nações com um superávit comercial com relação aos EUA, como a China.

Pequim foi atingida por uma sobretaxa de 54% ao somar as tarifas recíprocas e os 20% anteriormente estabelecidos. Em resposta, a China retaliou os impostos aplicados. Seguindo o movimento, Trump, elevou a sobretaxa chinesa para 104%.

No dia 9 de abril, o país asiático aumentou os impostos de importação para os Estados Unidos para 84%. Seguindo o movimento, no mesmo dia, a Casa Branca elevou as tarifas para 145% — pausando as sobretaxas dos demais países por 90 dias. Por fim, em 11 de abril, a China aumentou suas taxas retaliatórias para 125%.

A escalada da guerra comercial não deve parar por aí e as coisas andam incertas. Em poucos dias, a política tarifária já mudou diversas vezes e algumas decisões — como a taxação de automóveis e autopeças — podem cair por terra.

A turbulência nas relações comerciais de todo o planeta é derivada de uma crença polêmica de Trump: a de que o seu discurso protecionista, por meio do aumento de impostos, é capaz de proteger empregos americanos e fortalecer a indústria nacional. Mas por que Donald Trump vê as tarifas como um caminho para reindustrializar o país?

Industrialização

A indústria é o setor que mais agrega valor aos bens produzidos. Isso porque quando transforma matérias-primas em produtos, o processo industrial aumenta o valor agregado do objeto. Segundo os economistas consultados pela Forbes, na maioria das vezes, quando um país fortalece sua base industrial, ele movimenta mais recursos internamente e reduz a dependência de produtos importados.

Até os anos 1970, quase 20 milhões de pessoas viviam da indústria nos EUA. Porém uma combinação de fatores levou à transferência de empregos industriais para o exterior. Um desses aspectos foi o alto valor do dólar, o que tornou os produtos dos exportadores americanos mais caros. Não demorou muito para que as multinacionais norte-americanas percebessem o potencial de aumentar a sua produção com salários mais baixos fora do país, gerando lucros maiores e preços menores para consumidores americanos.

Desde de seu primeiro mandato presidencial em 2017, Trump afirma que a desindustrialização americana foi acelerada por importações “baratas” que tornaram a produção doméstica menos competitiva. Com base nessa visão, um dos pilares de seu governo é a ideia de “America First” ou “Estados Unidos em primeiro lugar”, que defende o aumento de tarifas para proteger a indústria americana. De acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX Brasil), os EUA são os maiores importadores mundiais, superando os US$ 3 trilhões anuais em compras oriundas do mundo todo.

Em geral, tarifas na economia são uma forma de barreira comercial. O efeito imediato dessa estratégia é o aumento de preços de produtos importados para consumidores e a alta dos custos de produção para empresas que usam insumos externos. Em outras palavras: mais inflação.

Mas Trump utiliza uma matemática diferente. Ele acredita que a proteção da indústria americana contra a concorrência externa, torna os produtos importados mais caros, incentivando o consumo doméstico — esquecendo dos danos colaterais e na dificuldade de se financiar a reindustrialização americana. “Ele usa esse método, pois confia que as taxas podem forçar empresas a localizar sua produção dentro dos EUA”, explica Andressa Durão, economista da gestora ASA.

O superintendente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Antonio Carlos Costa, também afirma que Trump entende que a relocalização produtiva global das últimas décadas foi um erro e deve ser revertida. “Donald Trump acredita ter em mãos uma potente alavanca para atrair de volta a produção industrial para os EUA”, diz Costa.

O trabalho, no entanto, não é tão fácil. Mover plantas produtivas de volta aos Estados Unidos envolve investimentos que podem chegar a bilhões de dólares e não acontecem de uma hora para outra. Até lá, se a Guerra Comercial continuar, a economia americana pode estar fragilizada demais para compensar financeiramente o investimento.

Isso sem falar no aumento de custos e deslocamentos de rotas logísticas e de cadeias de suprimentos estabelecidas que podem prejudicar a saúde financeira das companhias. A imprevisibilidade do presidente americano também acaba prejudicando um planejamento industrial de longo prazo.

O preço do protecionismo

Os EUA já usaram tarifas para proteger a indústria de manufatura e interesses nacionais. Na década de 1930, para preservar as fábricas americanas da competição internacional, defender empregos e tentar conter a crise de 1929, o governo do presidente republicano Herbert Hoover impôs taxas comerciais protecionistas.

No entanto, a Lei Tarifária de 1930 – Lei Tarifária Smoot-Hawley – teve consequências negativas e piorou a crise. Os EUA só se recuperaram em 1937, com o gasto para reequipar suas forças armadas para a Segunda Guerra Mundial.

No cenário doméstico, o Brasil fez algo semelhante entre a década de 50 e 80, com a chamada política de substituição de importações – proteger a indústria, com o objetivo de transferir recursos do setor agrícola para o setor industrial, reduzindo os custos da industrialização. Entretanto, Antonio Carlos Costa, da Fiesp, destaca que a diferença é que atualmente os bens transacionados entre os países são mais complexos do que naquela época.

“O comércio internacional se organizou durante muitas décadas para explorar ao máximo as vantagens de cada país na produção de insumos. Com isso, a maior parte do valor transacionado entre os países, os EUA incluídos, são bens de maior valor agregado, cujas cadeias de fornecimento se espalham pelo mundo”, explica Costa.

Apesar da história já ter demonstrado os equívocos dessa estratégia, noventa e cinco anos depois, o cenário se repete. Segundo os especialistas consultados pela Forbes, a conclusão é unânime: a estratégia de Trump não é sustentável no longo prazo. Para a economista, Andressa Durão, com aplicação de tarifas, há desaceleração do crescimento econômico de países afetados via balança comercial. “A depender do nível das taxas e possíveis retaliações, haverá interrupções nas cadeias globais, gerando instabilidade, além dos conflitos geopolíticos escalarem-se”, comenta Durão

Segundo um estudo do Bank of America Securities, analistas que acompanham a Apple consideram que o iPhone 16 Pro fabricado nos EUA, atualmente com o preço de US$ 1.199 (R$ 6.997), poderia aumentar em 25% apenas com os custos de mão de obra. Após o anúncio das tarifas de abril por Trump, outro analista da Wedbush estimou o preço de um iPhone fabricado nos EUA em US$ 3.500 (R$ 20.426). De acordo com a pesquisa, o custo de mão de obra para montar e testar um iPhone nos EUA seria de US$ 200 (R$ 1.167) por aparelho, em comparação com os US$ 40 (R$ 233) na China.

Para especialistas, caso a pausa das tarifas termine, um iPhone 16 Pro Max fabricado nos EUA poderia ter um aumento de 91% no preço, devido às taxas e ao aumento dos custos de mão de obra. “A decisão de Trump, além de tudo, provoca conflitos diplomáticos e subverte todos os conceitos de harmonia que regem as relações entre as nações”, afirma Andrea Matarazzo, coordenador do curso de pós-graduação da Faculdade do Comércio da Associação Comercial de São Paulo (FAC).

Além disso, esses altos impostos prejudicam as montadoras de veículos, já que elas dependem de cadeias de suprimentos globais – peças que vêm de vários países. Alguns fabricantes como Ford e General Motors criticaram as tarifas sobre aço, alumínio e componentes automotivos, alegando que elas elevarão os custos de produção e prejudicarão a competitividade global das empresas americanas.

Segundo análise do Center for Automotive Research as tarifas automotivas de 25% impostas pelo presidente Trump, aumentarão os custos em cerca de US$ 108 bilhões (R$ 635 bilhões) para as montadoras dos EUA em 2025. Ou seja, em vez de fortalecer a indústria, essas medidas podem elevar ainda mais os preços que serão repassados para os consumidores, além de dificultar a integração das cadeias produtivas.

Ainda não é possível saber quais consequências esse movimento de aumento de taxas terá sobre a população norte-americana, tendo em vista as constantes alterações na estratégia em curso.

“Em princípio, essa elevação tarifária deve resultar em produtos mais caros para os consumidores norte-americanos, mas o momento ainda é de muita incerteza. O que parece claro é que está em curso uma verdadeira ruptura do sistema multilateral de comércio baseado em regras, ancorado na Organização Mundial do Comércio (OMC)”, declarou o superintendente da Fiesp, Antonio Carlos Costa.

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