De divindade ancestral a pet ameaçado: por que o axolote virou ‘mania’ por causa do Minecraft


O axolote é um anfíbio endêmico do centro do México, classificado como “criticamente ameaçado” pela IUCN. O axolote possui características biológicas únicas, como a capacidade de regenerar partes do coração, da medula espinhal e até do cérebro. Axolote atraiu a atenção internacional depois que o Minecraft o adicionou ao jogo em 2021 e os mexicanos enlouqueceram com ele naquele mesmo ano, após a iniciativa do Banco Central de colocá-lo na nota de 50 pesos.
Marco Ugarte/AP Photo
Reza a lenda que o axolote nem sempre foi um anfíbio. Muito antes de se tornar a salamandra mais amada do México — e de ganhar esforços para evitar sua extinção — ele foi um deus astuto.
“É um bichinho muito interessante”, resume Yanet Cruz, diretora do Museu Chinampaxóchitl, na Cidade do México.
As exposições do museu são dedicadas ao axolote e às chinampas — sistemas agrícolas pré-hispânicos semelhantes a jardins flutuantes que ainda funcionam em Xochimilco, bairro nos arredores da capital, famoso por seus canais.
“Apesar de existirem muitas variedades, o axolote desta região é um símbolo de identidade para os povos originários”, destaca Cruz.
Embora não existam estimativas oficiais sobre a população atual da espécie, o Ambystoma mexicanum — anfíbio endêmico do centro do México — está classificado como “criticamente ameaçado” na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) desde 2019.
E, enquanto biólogos, historiadores e autoridades se dedicam a salvar o animal e seu habitat, um fenômeno inesperado de preservação cultural surgiu.
O axolote ganhou projeção internacional depois de ser adicionado ao jogo Minecraft em 2021 e virou febre no México no mesmo ano, quando o Banco Central do país passou a estampar o animal na nota de 50 pesos. “Foi quando a ‘axolotomania’ explodiu”, conta Cruz.
Mania mundial e ameaçado de extinção, axolote é alvo de tráfico no Brasil
Por todo o México, o peculiar anfíbio de aparência “dragônica” está presente em murais, artesanato e meias. Algumas padarias viraram sensação ao criar quitutes em formato de axolote. Uma cervejaria local até adotou o nome “Ajolote” (em espanhol) em homenagem à tradição mexicana.
Antes da chegada dos espanhóis e da conquista de Tenochtitlán, no século XVI, o axolote pode até não ter tido representações arqueológicas tão marcantes quanto Tláloc — deus da chuva — ou Coyolxauhqui — deusa da lua — mas já aparecia em documentos mesoamericanos antigos.
Na mitologia Nahua do Quinto Sol, o deus Nanahuatzin se lançou ao fogo, renasceu como o sol e ordenou que os outros deuses repetissem seu sacrifício para dar movimento ao mundo. Todos obedeceram, exceto Xólotl, uma divindade associada à estrela vespertina, que tentou fugir.
“Ele foi caçado e morto”, explica Arturo Montero, arqueólogo da Comissão Nacional de Áreas Naturais Protegidas. “E de sua morte surgiu uma criatura: o axolote.”
Segundo Montero, o mito sugere que, após a morte de um deus, sua essência fica aprisionada em um ser do mundo terreno, sujeito aos ciclos de vida e morte. Assim, o axolote carrega em si o espírito de Xólotl e, ao morrer, sua substância divina transita para o submundo, retornando depois à terra, com o nascimento de um novo axolote.
Uma mulher segura um axolote durante uma apresentação na Cidade do México
Marco Ugarte/AP Photo
Tráfico ilegal de axolotes preocupa o Ibama e pode levar a desequilíbrio ambiental
A estranha criatura mexicana que se regenera sozinha e pode desvendar chave de imunidade ao câncer
“O axolote é gêmeo do milho, do agave e da água”, afirma Montero.
O fascínio atual pelo axolote e seu status sagrado na antiguidade não são coincidência, reforça o arqueólogo. Muito disso se deve às características biológicas únicas do animal.
Nos aquários de instituições acadêmicas ou em criadouros especializados, o axolote é difícil de ser visto. Sua pele geralmente escura serve para se camuflar nas pedras — embora exista uma variedade albina, de tom rosado. Os axolotes podem ficar imóveis por horas, enterrados na lama ou parados no fundo do tanque.
Além dos pulmões, eles respiram pelas brânquias e pela pele, o que lhes permite se adaptar bem ao ambiente aquático. E possuem uma habilidade rara: regenerar partes do coração, da medula espinhal e até do cérebro.
“É uma espécie bastante peculiar”, destaca o biólogo Arturo Vergara, que supervisiona programas de preservação do axolote e cuida de exemplares à venda em um criadouro na Cidade do México.
Dependendo da espécie, cor e tamanho, os axolotes custam a partir de 200 pesos (cerca de US$ 10). Os animais ficam disponíveis para venda quando atingem cerca de 10 centímetros de comprimento e, segundo o biólogo, são fáceis de cuidar.
“Em cativeiro, eles costumam viver 15 anos, mas já tivemos animais que chegaram a 20 anos”, conta. “São muito longevos, embora, na natureza, dificilmente vivam mais de três ou quatro anos.”
A espécie exibida no museu — uma das 17 variedades conhecidas no México — é endêmica de lagos e canais que hoje estão poluídos. Uma população saudável de axolotes teria dificuldades para se alimentar ou se reproduzir nessas condições.
“É só imaginar o fundo de um canal em áreas como Xochimilco, Tláhuac ou Chalco, onde há uma quantidade enorme de microrganismos”, explica Vergara.
Em condições ideais, um axolote pode se regenerar de mordidas de cobras ou garças e sobreviver à estação seca enterrado na lama. Mas precisa de um ambiente aquático adequado para isso.
“Os esforços para preservar o axolote caminham junto com a preservação das chinampas”, explica Cruz, ao lado de uma vitrine com bonecos em formato de salamandra no museu. “Trabalhamos junto à comunidade para mostrar a importância desse espaço.”
As chinampas não são apenas locais onde os axolotes depositam seus ovos, mas também áreas onde comunidades pré-hispânicas cultivavam milho, pimentas, feijão e abóbora. Mesmo hoje, parte da população de Xochimilco planta hortaliças nesses terrenos — apesar das ameaças ambientais.
“Muitas chinampas estão secas e já não produzem alimentos”, lamenta Cruz. “E onde antes havia chinampas, hoje a gente vê campos de futebol.”
Para ela, assim como para Vergara, preservar o axolote não é um fim em si mesmo, mas um caminho para salvar o espaço de onde o animal surgiu.
“Esse grande sistema (das chinampas) é o que resta da cidade lacustre de Tenochtitlán. Por isso, sempre digo aos visitantes que Xochimilco é uma zona arqueológica viva”, conclui Cruz. “Se nós, como cidadãos, não cuidarmos do que é nosso, isso será perdido.”
Adicionar aos favoritos o Link permanente.