O bitcoin quer ser o ouro digital, mas teima em se comportar como uma ação

O bitcoin (BTC) nasceu para ser uma versão digital do ouro. É um recurso escasso por natureza – já que seu suprimento será para sempre limitado a 21 milhões de unidades (diferentemente das moedas convencionais, cuja quantidade aumenta com o tempo).

O ouro, também deriva seu valor da escassez, é “anticíclico“. Se o mercado (leia-se “bolsa”) vai bem, o ouro vai mal. E vice-versa; já que se trata mais de um ativo de proteção do patrimônio contra intempéries do que algo cuja posse tenha o poder de multiplicar o patrimônio do dono – como ações de uma Nvidia ou de uma Embraer da vida, cujos valares multiplicaram-se quase que por dez nos últimos anos.

Se o BTC é ouro digital, portanto, deveria portar-se como o metal amarelo. Mas não é o que acontece. Fato é que a criptomoeda tem se comportado mais como uma ação – um ativo sem propriedade anticíclica.

Essa foi a análise publicada pelo JPMorgan no dia 2 de abril – e que tem gerado debate na comunidade cripto, afinal, o bitcoin foi criado exatamente para combater o peso de governos e bancos centrais sobre as finanças individuais. Porém, com a queda recente das bolsas o que se viu foi o ouro e o BTC seguindo caminhos opostos. Um para cima, na contramão do mercado; o outro para baixo, acompanhando a manada.

O S&P 500, principal índice de ações dos EUA, tomba 10%. O bitcoin foi na mesma direção: queda de 9%. O ouro? Alta de 27%, consolidando um novo pico histórico de valorização.

LEIA MAIS

  • Bitcoin perde espaço para ouro como refúgio em meio a temores de guerra comercial
  • ETF de Bitcoin da BlackRock já supera em US$ 10 bilhões o ETF de ouro

O bitcoin simplesmente manteve seu histórico de alta volatilidade em momentos turbulentos, como têm sido os últimos meses.

O gráfico de Pearson aqui embaixo comprova. Ele mostra o seguinte: em diversos momentos a correlação do BTC com o ouro (linha roxa) fica negativa. Enquanto a correlação com os índices S&P 500 (verde) e Nasdaq (azul) costumam ser positivas.

O gráfico de Pearson compara dois ativos: quanto mais próximo de +1, significa que eles tendem a ter o mesmo tipo de movimento, ou seja, se um sobe, o outro também; enquanto um resultado de -1 significa que eles agem de forma oposta, se um sobe o outro cai. E zero quer dizer que não existe correlação alguma.

O gráfico reforça que o bitcoin costuma andar junto da Nasdaq e do S&P 500: “Os índices americanos dificilmente se distanciam em relação ao bitcoin, que anda conforme uma ação”, diz Taiamã Demaman, analista-chefe da Coinext.

Essa ideia também é corroborada por um estudo recente da gestora Bitwise, que compara a correlação entre 12 ativos diferentes. No caso do bitcoin, sua correlação com o ouro ficou em apenas 0,08, enquanto contra índices de ações como o S&P 500 e o MSCI World, o nível chega a 0,10 e 0,12, respectivamente (quanto mais perto de 1, maior a correlação).

Quem defende o bitcoin busca lembrar que sua escassez intrínseca é, sim, uma proteção contra a inflação – um fenômeno que começa e termina com o fato de que a quantidade de moeda em circulação aumenta com o passar do tempo; e a de bitcoin permanecerá estática. Caso o interesse pelo BTC se mantenha, ele segue tendendo a subir ao menos junto com a inflação do dólar.

Por outro lado, é possível dizer que o fator escassez também vale para ações. Sim: empresas também aumentam a quantidade de papéis em circulação de tempos em tempos, o que desvaloriza um papel (não estamos falando em desdobramentos/splits aqui; mas em emissão de ações novas, que roubam valor intrínseco das que já estavam em circulação).

E, sim, há empresas que fazem isso de forma irresponsável, emitindo novas ações como se fosse o governo do Brasil dos anos 1980 emitindo dinheiro.

Mas também há empresas que trabalham pema escassez de seus ativos – tornando-os intrinsecamente mais valiosos. É o caso da Apple. Em 2022, por exemplo, havia 16,32 bilhões de ações da empresa em circulação. Hoje, são 15,15 bilhões. Uma redução de 7% no volume – a empresa recompra suas próprias ações no mercado e as cancela, com o propósito de valorizar as que seguem em circulação.

Isso o bitcoin não faz.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.