Cerinha, idealizador do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, morre aos 85 anos


Primeira tentativa de realizar exposição do Salão, em 1972, em comitiva com Roberto Antonio Cêra, o Cerinha, não vingou. Grupo fez segunda viagem à sede do semanário no Rio de Janeiro no ano seguinte. Cerinha, idealizador do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, morre aos 85 anos
Rafael Bitencourt/Tempo D Comunicação e Cultura
Roberto Antonio Cêra, conhecido como Cerinha, considerado um dos idealizadores e fundadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba (SP), morreu neste sábado (19), aos 85 anos. A informação foi publicada na manhã desde domingo (20) na rede social oficial da Secretaria de Cultura do município.
“Com profunda tristeza, nos despedimos de Roberto Antonio Cêra, o querido Cerinha, um dos fundadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Visionário e apaixonado pela cultura, foi incentivador das artes, da comunicação e da liberdade criativa”, aponta postagem da Pasta.
Homenageados durante a abertura do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, Cerinha ao centro da foto, de verde.
Claudia Assencio/g1
A página oficial do Salão prestou homenagem ao intelectual.
“Esteve desde o início entre os que pensaram e ajudaram na criação de nosso evento. É responsável pelo vídeo histórico que retrata as primeiras edições do SIHP e de um grande acervo de fotos que contam a nossa história”, indica a publicação.
O Salão Internacional de Humor de Piracicaba foi fundado em 1974, durante a ditadura militar, como forma de trazer um olhar crítico ao regime e aos problemas da sociedade por meio do desenho de humor.
Página da Secretaria de Cultura de Piracicaba postou nota em homenagem a Roberto Antonio Cera
Reprodução/Prefeitura de Piracicaba
Para viabilizar o evento, no início dos anos 1970 piracicabanos foram à sede do jornal carioca O Pasquim, destaque da linguagem de humor gráfico no Brasil durante o período, em busca de apoio dos cartunistas. Cerinha esteve presente na primeira das viagens e iniciou os diálogos. – Leia mais, abaixo, na reportagem.
Em 2023, durante a abertura da 50ª edição do Salão, no Engenho Central, Cerinha foi homenageado junto a outros fundadores do evento. No mesmo ano, o g1 entrevistou Roberto Cera para a séria especial sobre o aniversário de meio século de existência da mostra. 📝Confira algumas das reportagens na seção LEIA MAIS, abaixo.
Roberto Cêra e Ziraldo
Roberto Antonio Cêra/Arquivo pessoal
Comitiva para fundar Salão
O Salão Internacional de Humor de Piracicaba (SP) completou 50 anos de existência em 2023. Nesse meio século de exposições ininterruptas, o evento inaugurado durante o regime militar brasileiro, em 1974, denuncia o cenário político-social do país, principalmente pelas charges e cartuns, em uma espécie de “inventário” crítico de injustiças e mazelas do mundo nas últimas cinco décadas. A semente revolucionária do Salão, entretanto, foi plantada antes da 1º edição, ainda na sua pré-história.
Duas visitas à sede do jornal “O Pasquim”, no Rio de Janeiro, o semanário alternativo conhecido por críticas corajosas e diretas à ditadura no Brasil, foram decisivas para existência do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, bem para o sucesso e repercussão das exposições, ressalta um de seus idealizadores Carlos Colonnese.
Panorama do pós-festa no primeiro Salão de Humor de Piracicaba
Roberto Antonio Cêra/Reprodução Livro Piracicaba: 30 anos de Humor
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A primeira tentativa de criar o Salão com a ajuda da equipe de “O Pasquim” ocorreu em 1972, mas “não vingou”, como diziam aqueles que participaram da viagem. Um segunda “expedição” à sede do tabloide foi feita no ano seguinte.
A primeira empreitada pela criação do Salão com participação do “O Pasquim”, segundo informação na página oficial do evento, foi frustrada. Mesmo com o apoio do cartunista Jaguar, editor do jornal na época, e “que autorizou o uso dos seus originais na exposição”, a mostra não ocorreu.
“A Editora Abril, infelizmente, não liberou as obras”, relata trecho de texto publicado no site.
Ermelindo Nardin à esquerda, na primeira visita o Pasquim em 1972, com Jaguar, ao centro
Arquivo/Centro de Comunicação Social de Piracicaba
O plano inicial, afirma um dos idealizadores, Roberto Antonio Cêra, em entrevista ao g1, era inserir uma mostra de humor gráfico dentro do Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba.
Na primeira “expedição” ao Rio de Janeiro, conforme apuração do g1, estavam Roberto Antonio Cêra e Ermelindo Nardin, que eram da Comissão do Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba.
A intenção, naquele primeiro momento, era a criação de uma mostra com obras de humor que integraria o Salão de Arte na Pinacoteca da cidade. “Queríamos alavancar o público da exposição com essa novidade e abordagem mais crítica pelo desenho”, contextualiza Cêra.
A ida ao “O Pasquim” era uma tentativa de convencer a equipe a apoiar a ideia e construir o acervo da exposição com obras feitas por grandes nomes do humor gráfico, e da imprensa nacional, como Jaguar, Millôr, Fortuna, Paulo Francis, Henfil, Zélio, Ziraldo e outros.
Ziraldo, autor de O Menino Maluquinho, durante atividade do 3º Salão Internacional de Humor de Piracicaba em 1976
CEDHU/ Acervo Prefeitura de Piracicaba
Por inspiração desses nomes, coragem não faltava ao grupo de piracicabanos. O jornal era admirado pelo grupo de entusiastas do Salão, formado por um grupo de jovens estudantes, de artistas, e intelectuais de Piracicaba.
“O Pasquim” não foi revolucionário somente por combater fortemente o regime da época, foi pioneiro quanto à escolha da linguagem jornalística, mais simples, e que apostava no humor gráfico, por meio da predominância dos desenhos dos cartunistas em relação aos textos, para compor a crítica que desafiava a ditadura militar vivida após o golpe de 1964.
Panorama do pós-festa no primeiro Salão de Humor de Piracicaba
Roberto Antonio Cêra/Reprodução Livro Piracicaba: 30 anos de Humor
Salão: O Pasquim publica 1º regulamento
Um dos idealizadores do Salão, Carlos Colonnese, estava perto de seus 18 anos e se preparava para ingressar no curso de jornalismo quando embarcou na segunda visita ao Pasquim no ano seguinte, em 1973, acompanhado do também, então, estudante de comunicação na época, Adolpho Queiroz, e do professor e intelectual piracicabano Alceu Righetto.
“Depois dessa viagem ao Rio, os jornalistas do “O Pasquim” toparam apoiar a ideia do Salão e começaram a publicar no semanário as regras do Salão. Além da chamada para os artistas enviarem trabalhos à exposição. Sem isso, seguramente, o Salão não teria tido o sucesso que teve. Nem os artistas que vieram teriam tido informação sobre a mostra. Seria muito mais difícil transformá-lo em realidade”, contou.
Incentivada por Zélio Alves Pinto, colaborador do “O Pasquim”, a segunda viagem de Piracicaba ao Rio de Janeiro foi feita em um Ford Galaxie preto, emprestado pelo prefeito da cidade, Adilson Maluf.
Ermelindo Nardim, ao centro, durante reuniões para tratar do Salão de Humor de Piracicaba
Fausto Longo/Arquivo pessoal
De acordo com Adolpho Queiroz, o grupo chegou a levar amostras – em garrafões – da cachaça tipicamente piracicabana para entregar como lembrança e retribuição à gentileza da equipe do jornal.
“Os garrafões estouraram pelo caminho, com o calor que emanava para dentro do Galaxie preto da prefeitura, e eles entraram, avenida Brasil adentro, ungidos pelo odor característico que, segundo a lenda, muito agradou aos deuses da galhofa. Essa foi a expedição que logrou êxito”, afirma o cartunista Paulo Caruso no livro comemorativo aos 30 anos do Salão, publicado pela Imprensa Oficial de São Paulo.
O grupo foi recebido por Paulo Francis, que segundo, Carlos Colonnese, foi extremamente atencioso com com os jovens entusiastas do Salão de Humor de Piracicaba.
“Paulo Francis estava na entrada do “O Pasquim” e nos tratou com uma gentileza ímpar. Foi uma experiência incrível, principalmente para mim, que estava ali com meus ídolos do jornalismo. Imagine, eu era um menino, fazia o curso preparatório para entrar na faculdade, apesar de já escrever no Jornal O Diário, em Piracicaba, na época”, lembrou.
Durante vinda de nomes importantes do humor gráfico nacional à primeira edição do Salão, uma cena poética continua nas memórias mais afetivas de Colonnese.
“Millôr Fernandes, que estava hospedado no Hotel Beira Rio, fez até uma Ode ao pôr-do-sol de Piracicaba. Foi lindo”, relatou.
Millor Fernandes durante evento do Salão Internacional de Humor de Piracicaba
CEDHU/ Acervo Prefeitura de Piracicaba
1974: O Salão é inaugurado
A primeira edição, no ano de 1974, é o início da estreita relação entre Piracicaba e os maiores cartunistas do Brasil. Na exposição de inauguração, realizada no saguão do Banco Português, na Praça José Bonifácio, o Salão teve a participação de Millôr, Ziraldo, Zélio, Jaguar, Fortuna e Ciça.
“Mesmo com o medo de ter suas portas lacradas por causa da censura do regime militar, o Salão excedeu as expectativas iniciais e garantiu a continuação para anos seguintes. Ninguém esperava, mas já a partir do terceiro ano o evento se tornou Internacional e posicionou Piracicaba no mapa do humor gráfico mundial, atraindo a atenção e talentos de diversas partes do mundo”, diz trecho de texto no site oficial do Salão.
Paternidade
Se, por um lado, é possível resgatar a pré-história do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, por outro, atestar a sua “paternidade”, sem que haja controvérsias, parece algo menos simples. O mais seguro, talvez, seja afirmar que trajetória longeva e bem-sucedida do evento ao longo de meio século, naturalmente, se deve pelo esforço conjunto de uma “família” de defensores do Salão, que cresce a cada edição.
Se o Salão Internacional de Humor de Piracicaba surge do entusiasmo de jovens e intelectuais como instrumento de crítica e resistência às imposições e controle de direitos, ele perdura também pelo esforço de mantê-lo independente.

Alceu Righetto, Adolpho Queiroz, Carlos Colonnese, Fausto Longo, Roberto Cêra, Zélio e demais apoiadores escrevem a história do Salão, dentro e fora dele.
Primeiro cartaz do Salão de Humor de Piracicaba
Reprodução
Fausto Longo, em relato enviado ao g1 nesta segunda-feira (21), compartilha lembranças de sua experiência com o Salão Internacional de Humor, ativa ainda nos dias de hoje.
“Minha ligação com o Salão, estreita relação, até cúmplice, poderia dizer, nasce da convivência com outros tantos amigos que partilhavam sonhos, devaneios, pensares, paixões e, até mesmo, suas atividades profissionais no mesmo espaço cultural e urbano da Piracicaba da década 1970 do século passado! Lá se vão cinquenta anos!”, comenta.
Roberto Cêra também guarda memórias do Salão e, aos 84 anos, conta nunca ter deixado de acompanhar a mostra, a não ser pela interrupção imposta pela Pandemia da Covid-19. Na primeira edição, registrou imagens da cerimônia de abertura que podem ser conferidas👉 aqui.
“Nunca fiquei longe do Salão. Estive em todas as edições. Nas primeiras, fiz muitos registros com minha câmera Super 8”, comentou.
Espírito do Lugar
Fausto Longo puxa pela memória, como ele diz, um “emaranhado de nomes, ruas, praças, bares, pessoas” que constroem o “universo” e o “espírito” do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.
“Eram Cecílios, Cerinhas, Joãos Maffeis, Nardins, Zé Marias, Adolfinhos, Carlinhos “Colonhese”, Alceus Righeto, Fagundinhos, Adilsons Maluf, Mattiazzos, Toninhos Barrichello, o Japão, Carlinhos “Cebola”, Djalmas de Lima, Paulinhos Fioravante, Mários Lázaro, Rosângelas, Kaoros Mizuhira, Marisas Furlanis, Zés Arruda Mariano, entre tantos outros, um povo singularmente plural, em todos os sentidos, a povoar esse imenso universo circunscrito em três ou quatro “quarteirões” da nossa cidade”, relaciona.
Fausto Longo e Adolpho Queiroz
Fausto Longo/Arquivo pessoal
E por falar em lugares, alguns pontos de Piracicaba também permeiam as memórias de pessoas envolvidas com a história do Salão. Entre eles, o Café “O Bule”, a “Brasserie”, a redação do jornal O Diário, que tinha uma coluna inspirada na do O Pasquim, a banca Giannetti, na região da Praça José Bonifácio no Centro de Piracicaba.
“O Diário e sua página “Recados”, amado por uns, odiado por outros, o Café ‘O Bule’, amado por todos, sem restrições, a banca Giannetti, onde se reuniam os maiores leitores de orelha de livros da cidade, afinal, jovens, sem dinheiro para adquirir as edições, a única alternativa era a leitura, rápida e sorrateira, dos resumos das obras nas abas dos volumes, como sábia e indispensável medida de contenção”, detalha Fausto Longo.
Ponto de encontro
Mencionado com unanimidade pelos idealizadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, o Café “O Bule”, era o ponto de encontro de políticos, jornalistas e artistas da música, teatro, dança, literatura e artes plásticas, como lembra Fausto.
“Muitas articulações políticas nasceram ali, muitos enredos de escolas de samba também nasceram ali, eventos e programas culturais, foram muitos os “produtos” dessa verdadeira fábrica de idéias chamada O Bule, não só a Banda do Bule. Certamente foi nesse trajeto entre ‘O Bule’, a Banca Giannetti, a redação do O Diário, do Jornal de Piracicaba, da Rádio Difusora e da Brasserie, que nasceu o Salão de Humor e muitos outros eventos também”, relata.
Fausto Longo durante montagem do Salão Internacional de Humor de Piracicaba
Fausto Longo/Arquivo pessoal
50º Salão Internacional de Humor: cerimônia oficial de abertura
A cerimônia de abertura do Salão deste ano está marcada para o dia 26 de agosto, às 19h, no palco externo do Teatro Municipal Erotides de Campos, o Teatro do Engenho, com entrada gratuita.
O Teatro Municipal Erotides de Campos fica na Avenida Dr. Maurice Allain, nº 454, no Parque do Engenho Central. Mais informações podem ser obtidas pelo site salaointernacionaldehumor.com.br.
Obra que venceu o 1º Salão de Humor de Piracicaba, de Laerte Coutinho
Reprodução
Exposições paralelas
A 50ª edição do Salão Internacional de Humor traz, além da mostra oficial e do 21º Salãozinho de Humor, dez mostras paralelas na programação. Elas vão reunir caricaturas, charges, tiras, cartuns, fotografias e documentos ligados aos 50 anos do Salão em espaços diversos. Saiba mais.
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