Por Que Este Bilionário do Setor Imobiliário Está ‘Abandonando’ a Classe Média

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Pat Neal se descreve como uma gaivota. “Tenho o direito de voar e pegar qualquer ossinho de frango”, diz o ex-deputado estadual da Flórida e fundador da Neal Communities, sediada em Sarasota. Com isso, ele quer dizer que observa sua construtora — que tem receita de US$ 1 bilhão (R$ 5,64 bilhões) — de cima, mas não hesita em intervir quando algo pequeno chama sua atenção.

Quando a Forbes conversou com Neal no começo de abril, ele havia acabado de sair de uma ligação sobre barreiras vegetativas, insistindo para que seus colegas movessem uma planta de podocarpo — conhecido também como pinheiro buda —  quinze centímetros mais próxima da rua. “Pouquíssimos detalhes são pequenos demais para que a gente não resolva em uma casa ou no ambiente. Queremos que as áreas alagadas estejam sempre preservadas, que as comunidades sejam sempre bonitas e que o lixo simplesmente não exista.”

“Maravilhosa classe média”

A Toll Brothers constrói mansões para os mais ricos. A D.R. Horton ergue casas voltadas para as massas. Já a Neal Communities foca no que Pat Neal chama de “maravilhosa classe média”: famílias de classe média e média alta que gastam entre US$ 400 mil e pouco mais de US$ 1 milhão (entre R$ 2,25 milhões e R$ 5,64 milhões), sendo que o preço mediano de venda em Sarasota atualmente é de US$ 530.000 (R$ 2,98 milhões), segundo a Redfin. “Nossa estratégia é nos posicionarmos acima das construtoras populares, oferecendo uma casa com qualidade superior”, afirma Neal.

Isso significa superfícies de mármore, mais paisagismo, entradas de tijolo, pisos de garagem pintados e armários feitos de madeira maciça, e não de aglomerado. A empresa tem um “comitê da perfeição” que cuida de detalhes como garantir que as portas do forno, micro-ondas e geladeira possam ser abertas ao mesmo tempo, sem esbarrar umas nas outras.

Também significa preservar o máximo possível do ambiente natural. Enquanto outras construtoras derrubam rapidamente árvores mal localizadas e replantam em lugares mais convenientes, Neal se esforça para manter as originais. Onde outras empresas canalizam riachos arenosos para dentro de tubos, Neal projeta as casas ao redor deles. “Nossas casas devem parecer com a Flórida”, ele diz. “As pessoas passam a vida sonhando em se aposentar aqui. E quando chegam, queremos que sintam que realmente desembarcaram na Flórida, com seu ambiente e vegetação característicos.”

Essa atenção aos detalhes e o foco no público de renda média e média alta têm sido uma estratégia de sucesso: a empresa privada se tornou uma das maiores construtoras do sudoeste da Flórida, e a Forbes estima que Neal, de 76 anos, que é dono de 100% do negócio junto com seus dois filhos, tenha um patrimônio líquido de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,76 bilhões).

“A qualidade é excepcional. Quando ele começou em Sarasota, abriu uma nova linha de casas que pareciam mega mansões, mas com preços acessíveis”, diz Candy Swick, que comanda uma corretora na cidade há 45 anos. “Ele construiu uma boa reputação”, acrescenta o especialista em mercado imobiliário da Flórida Jack McCabe.

Prova de fogo

Mas este ano pode ser o maior teste desde a Grande Recessão. A região oeste do estado ensolarado, onde Neal atua, tem hoje a maior oferta de imóveis dos últimos 15 anos, ao mesmo tempo em que a migração interna impulsionada pela pandemia está diminuindo. Em muitas áreas, o valor dos imóveis deve cair 9% ou mais ao longo do próximo ano, segundo a plataforma de dados imobiliários Reventure.

As tendências macroeconômicas também não são animadoras: as altas taxas de juros têm reduzido a demanda por moradias em todo o país, e a guerra tarifária ameaça aumentar em milhares de dólares o custo dos materiais de construção. A margem de lucro bruto da Neal caiu de cerca de 30% em 2023 para 24% atualmente. Ele precisou reduzir os preços entre 10% e 11% nos últimos 12 meses por meio de concessões como amenidades gratuitas e subsídios de financiamento. Além disso, a atual ameaça de tarifas pode aumentar em mais de US$ 10 mil (R$ 58 mil) o custo médio de cada casa, mas Neal afirma que não vai repassar esse valor aos clientes.

“Temos uma combinação ruim que vai dificultar bastante o setor de construção pelos próximos anos”, ele admite. “Estamos nos preparando para ganhar menos no curto prazo.” Para isso, Neal está se afastando de uma parte central do modelo de negócios que o tornou bilionário. Em vez de focar no segmento intermediário do mercado — historicamente responsável por 80% de suas vendas —, ele está apostando em uma “estratégia em formato de halteres”, mirando os públicos de renda mais alta e mais baixa. “A classe média, nos últimos anos, não prosperou como antes”, diz Neal. “Estou indo para as pontas, por enquanto, com a esperança de que a maravilhosa classe média se recupere com o tempo.”

Quem é Pat Neal

Neal cresceu em uma família de classe média nos Estados Unidos. Nascido em 1949, em Des Moines, Iowa, foi criado como o mais novo de dois irmãos por sua mãe. Seu pai saiu de casa em 1956 e passou a trabalhar como comprador de terrenos para uma franqueada da rede Holiday Inn, mudando-se constantemente. O casal se divorciou em 1959. Desde cedo, Neal mostrou vocação para os negócios, atuando tanto em trabalhos tradicionais como cortar grama quanto em empreitadas mais criativas, como engarrafar e vender detergente.

Fundou uma empresa chamada Youth Power, recrutando sete crianças da vizinhança para prestar serviços como limpeza de sótãos, remoção de entulho e transporte de fornos. Os clientes pagavam US$ 1,25 por hora; Neal repassava US$ 0,85 para cada jovem. Aos 16 anos, faturou cerca de US$ 5.800 (R$ 33.640), mais do que sua mãe ganhava como professora.

Ingressou na escola de negócios da Universidade da Pensilvânia em 1967, alguns anos depois de Donald Trump. Chegou a vê-lo no campus, mas nunca interagiu com ele. Foi na Penn que começou a se envolver com política, trabalhando primeiro na campanha malsucedida do futuro senador Arlen Specter à prefeitura da Filadélfia, e depois em sua reeleição como promotor, atuando como motorista e assistente. Também participou da campanha presidencial de Richard Nixon e passou dois verões na reserva do Exército para evitar ser convocado para a Guerra do Vietnã.

Em 1970, durante uma pausa nos estudos provocada pela suspensão das aulas, após o massacre da Kent State, começou a construir casas com seu pai. O pai de Neal havia se aposentado e se mudado para a Flórida, mas estava entediado e decidiu comprar um terreno em um antigo alojamento de pesca na praia de Whitney, perto de Sarasota. Neal ajudou a transformar o local em um pequeno bairro, fazendo inclusive trabalho braçal, como concretagem e construção de barreiras contra o mar, além de investir US$ 20.000 (R$ 116 mil) de seu próprio bolso.

Quando as casas foram vendidas no fim de 1972, ele havia lucrado US$ 93.000 (R$ 539.400). Poucos anos depois, seu pai passou o controle da empresa para Neal e voltou à aposentadoria. “Depois que ele me deu o empurrão inicial, virei uma máquina de movimento perpétuo”, diz Neal.

Ao mesmo tempo, Neal manteve seu interesse por política. Em 1972, no meio do escândalo Watergate, concluiu que estar ligado ao Partido Republicano havia se tornado um problema e trocou de partido. Dois anos depois, concorreu à Câmara dos Representantes da Flórida como democrata conservador e venceu. Curiosamente, o pai de sua futura esposa Charlene concorreu ao Senado estadual pelo lado republicano e perdeu.

Um repórter sugeriu a Charlene que ela e Neal formariam um bom casal, então ela decidiu investigá-lo: apareceu em um de seus discursos com uma lente teleobjetiva. “Ela foi me conferir para ver se eu era bom o suficiente para um encontro”, brinca Neal. “Não foi um encontro às cegas, foi um encontro com um olho só.” Os dois se conheceram, casaram-se e imediatamente começaram a trabalhar juntos no setor imobiliário.

Neal passou dois anos na câmara estadual e depois foi eleito para quatro mandatos no Senado da Flórida. Em 1986, perdeu sua sexta eleição para um republicano, em um momento em que a região passava a votar majoritariamente no partido rival. Ele voltou a mudar de partido e cogitou concorrer novamente, mas acabou decidindo focar nos negócios.

Talvez sua maior realização política foi atuar como coautor da primeira legislação estadual sobre áreas úmidas, em 1984 — uma lei que hoje ele mesmo aplica como construtor. Neal, que se diz ambientalista desde sempre, incluiu um dispositivo que obriga empreendedores que destruírem habitats de áreas úmidas a criarem um novo habitat mais amplo ou mais biodiverso dentro da mesma bacia hidrográfica.

Menos dinheiro e mais qualidade

No ano passado, a Neal Communities entregou sua casa de número 25 mil. A receita da empresa saltou de US$ 613 milhões (R$ 3,534 bilhões) em 2022 para US$ 905 milhões (R$ 5,249 bilhões) em 2023, quando foram concluídos a maioria dos contratos firmados durante a pandemia; em 2024, as vendas chegaram a US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões), com o crescimento desacelerando.

Os compradores adoram a proposta de “mais qualidade por menos”. E Neal tem conseguido viabilizar isso, em parte, construindo casas um pouco menores para o valor cobrado — cerca de 213 metros quadrados, em média, para as residências voltadas à “classe média maravilhosa” — enquanto construtoras de luxo mantêm suas margens altas com casas maiores. Além disso, Neal compra e desenvolve seus próprios terrenos, enquanto empresas públicas terceirizam cada vez mais essa parte. Ele também oferece serviços como financiamento, construção de piscinas e seguro de títulos. Até móveis são vendidos por meio da empresa de design de interiores de sua esposa, Charlene.

Novas estratégias

Fiel ao espírito familiar com o qual Neal e seu pai fundaram a empresa há 55 anos, o bilionário agora trouxe outros seis parentes para o negócio. Além de Charlene, que comanda formalmente a área de design — embora ele a chame de “vice-presidente sênior de tudo” –, seus filhos John e Michael administram subsidiárias focadas, respectivamente, no desenvolvimento de comunidades planejadas de alto padrão e de lotes mais acessíveis. Uma sobrinha e um sobrinho ocupam cargos intermediários. Sua neta começará em breve como estagiária de verão.

“Minha visão é que o ‘ajuste Trump’ resultará em uma queda na atividade de construção e na redução das taxas de juros.” Agora, a ameaça de tarifas, segundo Neal, pode aumentar o custo médio de uma casa em mais de R$ 57 mil, além de reduzir a demanda entre a classe média, que já está sendo pressionada pelos altos preços e juros.

Por isso, ele está comprando mais terrenos para sua marca de alto padrão, a Neal Signature, cujos clientes têm mais margem para gastar mesmo diante de dificuldades econômicas. E está apostando em sua nova marca de baixo custo, a SimplyDwell, com a qual pode construir casas mais rápido e com menor custo. A ideia da SimplyDwell veio, na verdade, de sua vice-presidente de assuntos comunitários e governamentais, Ivory Matthews, durante uma reunião do conselho no fim de 2022.

“Ela disse: ‘poxa, por que a gente não vende casas para os jovens? Temos tantos heróis locais e professores que não conseguem comprar uma casa. Então por que não assumimos esse compromisso como empresa?’”, lembra Neal. “E eu disse: “acho que os astros financeiros estão alinhados. Vamos ter juros mais baixos e esse é um ótimo momento para isso.’” Ele lançou a marca no ano seguinte e está investindo R$ 6,67 bilhões na compra de 2.006 lotes para a primeira fase.

O primeiro conjunto de quase 50 casas da SimplyDwell foi concluído no outono de 2024; Neal planejou que elas chegassem ao mercado justamente quando as taxas de juros caíssem. As taxas de fato caíram nesse período, mas não de forma significativa, então ele passou a oferecer subsídios hipotecários aos compradores para estimular a demanda.

Neal já estava se planejando para focar mais do tipo antes mesmo do esfriamento do mercado, em uma tentativa de se alinhar à tendência de maior eficiência no setor. Já que as construtoras de capital aberto — que geralmente têm plantas e métodos mais padronizados — agora dominam o mercado e as privadas buscam formas de se manter competitivas. O desafio será garantir que sua empresa não perca o cuidado com os detalhes e a qualidade que a diferenciam. E que ele não fique preso com centenas de imóveis novos e vazios, sem compradores à vista.

O último otimista?

Neal, que está com cerca de 220 casas especulativas (spec homes) prontas e construindo outras 200, ainda acredita que o Federal Reserve (FED) fará cortes mais acentuados nos próximos meses e que a demanda por casas de menor preço vai disparar. No ano passado, cerca de 70% das casas que ele vendeu foram construídas sob especulação; neste ano, ele pretende aumentar esse percentual para 80%. Depois de vender cerca de 48 casas SimplyDwell em 2024, ele pretende vender 84 neste ano e 300 em 2027.

E há uma vantagem competitiva a seu favor: ele é especializado exatamente no tipo de produto que os compradores da Flórida devem buscar nos próximos anos. “Não é mais como dois ou três anos atrás, quando dava para construir qualquer coisa e alguém comprava”, explica Nick Gerli, fundador da plataforma de dados imobiliários Reventure. “Agora os compradores estão muito exigentes. Têm muitas opções. Então, se as casas não forem bem projetadas ou a qualidade da construção estiver obviamente ruim, isso será um grande sinal de alerta. Os aspectos qualitativos vão se tornar mais importantes: garantir que as comunidades de casas tenham boa aparência.”

Outro acerto foi sua gestão conservadora do balanço financeiro. Neal sempre tentou evitar dívidas ao crescer devagar e diz que hoje sua alavancagem (dívida em relação ao valor da empresa) é de apenas 11%. Para comparação, a Toll Brothers está em 23% e a Dream Finders, outra construtora relativamente pequena da Flórida, em 41%. O menor nível de dívida pode dar a Neal mais flexibilidade para redirecionar os negócios, caso as taxas de juros não caiam. Uma coisa que ele diz que não fará é aumentar os preços, mesmo se as tarifas elevarem seus custos: “vou simplesmente tirar isso das margens”, afirma.

Apesar do mercado difícil, o clima na Neal Communities parece leve. Dos 311 funcionários da empresa, os que trabalham em campo seguem um horário das 7h às 15h, embora Neal comece muito antes disso e continue até a noite. O único hobby que ele se permite é a leitura. Está no meio de três livros atualmente e tem vários outros espalhados: oito em sua mesa de cabeceira e um no chão do carro. Ele está mergulhado em uma variedade de livros sobre filosofia e religião, que o fazem refletir sobre seu legado.

“É algo meio existencial: se você é um construtor de casas, então aquilo que você deixa no ambiente construído é sua criação para a vida inteira”, diz ele. “As comunidades que construímos são a prova da nossa criação e, pode-se dizer, da autenticidade de nossas vidas.”

Ou, dito de outra forma: “uma casa é algo tangível”, continua. “E permanece por cem anos depois de ser criada. Queremos garantir que o que deixamos para trás seja autêntico e bom.”

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