O que é computação quântica?

Imagine um computador capaz de executar cálculos em minutos que exigiriam milhares de anos dos supercomputadores mais potentes da atualidade. Parece ficção científica, mas é exatamente o que promete a computação quântica, uma tecnologia que não apenas busca melhorar os computadores que conhecemos, mas que opera sob princípios fundamentalmente diferentes.

  • Alienígenas podem estar usando comunicação quântica, mas não sabemos ouvi-los
  • IBM acelera em 120 vezes a resolução de problemas de computação quântica

A computação quântica representa uma mudança de paradigma na forma como processamos informações. Enquanto os computadores tradicionais operam com bits que podem ser 0 ou 1, os computadores quânticos utilizam qubits, que podem existir em múltiplos estados simultaneamente, graças às estranhas propriedades da física quântica.

Esta tecnologia já começa a sair dos laboratórios e dar seus primeiros passos no mundo real, com empresas como IBM, Google e Microsoft investindo bilhões de dólares para desenvolver máquinas cada vez mais poderosas. E o potencial é imenso: da descoberta de novos medicamentos à otimização de cadeias logísticas complexas, da criação de novos materiais à resolução de problemas matemáticos até então intratáveis.


Entre no Canal do WhatsApp do Canaltech e fique por dentro das últimas notícias sobre tecnologia, lançamentos, dicas e tutoriais incríveis.

O que é um computador quântico?

Para entender o que é um computador quântico, primeiro precisamos compreender como funcionam os computadores que usamos diariamente.

 

Os computadores convencionais, também chamados de computadores clássicos, processam informações usando bits. Cada bit pode assumir apenas um de dois valores: 0 ou 1. Toda a informação digital que consumimos — textos, imagens, vídeos, programas — é codificada em longas sequências desses zeros e uns.

O computador quântico, por sua vez, utiliza qubits (quantum bits) como sua unidade básica de informação. A diferença fundamental é que, enquanto um bit clássico só pode ser 0 ou 1, um qubit pode existir em uma combinação de ambos os estados simultaneamente, graças a um fenômeno quântico chamado superposição.

Para visualizar essa diferença, podemos pensar em uma lâmpada convencional: ela está acesa (1) ou apagada (0). Agora imagine uma “lâmpada quântica” que pode estar simultaneamente acesa e apagada, ou em qualquer intensidade entre esses extremos. Parece confuso, mas é exatamente essa estranheza que confere ao computador quântico seu poder computacional extraordinário.

Mágica dos qubits: superposição e emaranhamento

O verdadeiro poder dos qubits vem de dois fenômenos quânticos fundamentais: a superposição e o emaranhamento.

A superposição, como mencionamos, permite que um qubit exista em uma combinação de estados 0 e 1 simultaneamente. Para ilustrar essa ideia, podemos pensar em uma moeda girando no ar. Enquanto a moeda gira, ela não é nem cara nem coroa, mas uma combinação de ambas as possibilidades. Somente quando a moeda para de girar e cai, ela “colapsa” em um dos estados definidos: cara ou coroa.

Da mesma forma, quando medimos um qubit, ele colapsa em um único estado: 0 ou 1. Mas antes da medição, ele existe em uma sobreposição de possibilidades.

Um qubit pode assumir uma combinação de estados 0 e 1 simultaneamente, diferente dos bits da computação clássica (Imagem: Reprodução: N. Hanacek/NIST)

O segundo fenômeno é o emaranhamento quântico. Quando dois ou mais qubits estão emaranhados, seus estados tornam-se correlacionados de uma maneira que não pode ser explicada pela física clássica. Uma mudança em um qubit afeta instantaneamente o estado do outro, não importa a distância física entre eles.

Para entender o emaranhamento, imagine dois dados mágicos. Quando você joga o primeiro e ele cai mostrando o número 3, o segundo dado, instantaneamente, mostra o número 4, mesmo que esteja do outro lado do universo. Essa correlação não é baseada em comunicação convencional — é uma propriedade intrínseca do sistema quântico.

A combinação de superposição e emaranhamento permite que os computadores quânticos realizem cálculos de maneiras fundamentalmente diferentes dos computadores clássicos, explorando múltiplas possibilidades simultaneamente.

Graças ao emaranhamento quântico, o estado de um qubit afeta instantaneamente o do outro (Imagem: Reprodução/N. Hanacek/NIST)

Por que a computação quântica é tão diferente e poderosa?

A verdadeira força da computação quântica não está apenas em ser “mais rápida” que a computação clássica, mas em abordar problemas de uma maneira fundamentalmente diferente.

Os computadores quânticos não são simplesmente versões melhoradas dos computadores atuais. Eles representam uma forma completamente nova de processar informações, com regras próprias e capacidades únicas.

Graças à superposição, um computador quântico com n qubits pode representar 2^n estados simultaneamente. Isso significa que, enquanto um computador clássico precisaria executar cálculos sequencialmente para explorar todas as possibilidades, um computador quântico pode explorar todas elas de uma só vez.

Por exemplo, com apenas 50 qubits, um computador quântico pode representar mais de um quatrilhão de estados diferentes simultaneamente. Para um computador clássico processar essa quantidade de informação, seria necessário um número de bits maior que o número de átomos na Terra.

O emaranhamento, por sua vez, permite que os qubits estabeleçam correlações complexas, criando uma rede de informações interconectadas que pode modelar problemas intrincados de maneira mais eficiente.

É importante notar que os computadores quânticos não substituirão os computadores clássicos para todas as tarefas. Na verdade, eles são especializados em resolver certos tipos de problemas que são particularmente difíceis para computadores tradicionais.

Onde a computação quântica é usada?

A computação quântica tem o potencial de transformar diversos campos. Algumas áreas onde ela promete causar maior impacto são:

1. Descoberta de novos materiais e medicamentos

Os computadores quânticos podem simular com precisão as interações entre moléculas, acelerando dramaticamente a pesquisa e desenvolvimento de novos materiais e medicamentos. Enquanto os computadores atuais utilizam aproximações para simular sistemas quânticos (como moléculas), os computadores quânticos podem modelar diretamente esses sistemas, levando a descobertas que poderiam levar décadas com métodos tradicionais.

Q System One, da IBM, já tem ajudado pesquisadores e empresas a descobrirem novos materiais e medicamentos (Imagem: Reprodução/IBM)

2. Otimização complexa

Problemas de otimização aparecem em todos os lugares, desde logística e cadeia de suprimentos até finanças e manufatura. Os computadores quânticos podem encontrar soluções otimizadas para problemas com inúmeras variáveis, que seriam impossíveis de resolver eficientemente com computadores clássicos.

3. Inteligência artificial avançada

A computação quântica pode potencializar algoritmos de aprendizado de máquina, permitindo análises mais profundas de conjuntos de dados maiores e reconhecimento de padrões mais complexos.

4. Modelagem climática e ambiental

Simular sistemas climáticos complexos requer um poder computacional imenso. Os computadores quânticos podem melhorar significativamente os modelos climáticos, ajudando a prever mudanças com maior precisão.

5. Criptografia e segurança

Os computadores quânticos são capazes de quebrar muitos dos sistemas de criptografia atuais, representando tanto um desafio quanto uma oportunidade para desenvolver métodos de criptografia resistentes a ataques quânticos.

6. Finanças

Desde a modelagem de mercados até a análise de riscos, os computadores quânticos podem transformar o setor financeiro, otimizando portfólios e detectando padrões que seriam invisíveis para computadores clássicos.

Cada uma dessas aplicações tem o potencial de resolver problemas que afetam milhões de pessoas, desde a descoberta de novos antibióticos até a otimização do transporte urbano para reduzir congestionamentos e emissões.

Google Quantum AI permitiu ao Google conquistar sua “supremacia quântica” e auxiliar diversos setores da indústria (Imagem: Divulgação/Google)

Estado atual e desafios da computação quântica

Atualmente, a computação quântica encontra-se em seus estágios iniciais, comparável talvez aos primórdios da computação clássica na década de 1950. Estamos na chamada era NISQ (Noisy Intermediate-Scale Quantum) — Computação Quântica Intermediária Ruidosa. Isso significa que temos computadores quânticos funcionais, mas ainda com limitações significativas.

Os principais desafios incluem:

  • Decoerência: os estados quânticos são extremamente frágeis. Qualquer interação com o ambiente, como flutuações de temperatura ou interferência eletromagnética, pode fazer com que os qubits percam suas propriedades quânticas. Isso é chamado de decoerência, e atualmente limita o tempo durante o qual os cálculos quânticos podem ser realizados.
  • Taxas de erro: os qubits atuais são propensos a erros, e aumentar o número de qubits também aumenta a probabilidade de erros. Desenvolver métodos eficientes de correção de erros é crucial para o avanço da computação quântica.
  • Escalabilidade: construir sistemas com muitos qubits interconectados e mantê-los em estados quânticos coerentes é extremamente desafiador. Os computadores quânticos mais avançados hoje têm algumas centenas de qubits, mas precisaremos de milhares ou milhões para aplicações verdadeiramente transformadoras.

Várias empresas e organizações de pesquisa estão trabalhando para superar esses desafios:

  • IBM Quantum: a IBM tem sido uma das líderes no campo, com a plataforma IBM Quantum Experience permitindo que pesquisadores acessem computadores quânticos remotamente. Seu computador quântico mais avançado, o IBM Quantum Eagle, possui 433 qubits
  • Google Quantum: em 2019, o Google afirmou ter alcançado a “supremacia quântica” — o ponto em que um computador quântico realiza uma tarefa específica mais rapidamente que o melhor supercomputador clássico. Seu processador Sycamore de 53 qubits realizou um cálculo específico em 200 segundos que, segundo eles, levaria 10.000 anos no supercomputador mais potente
  • Microsoft Majorana 1: a Microsoft adotou uma abordagem diferente com sua tecnologia de qubits topológicos, que busca maior estabilidade e resistência a erros. O chip Majorana 1 usa fenômenos topológicos para proteger a informação quântica, uma abordagem que pode ser crucial para o desenvolvimento de computadores quânticos em larga escala

Outras empresas, como Amazon, Intel, D-Wave, IonQ e Rigetti Computing, também estão avançando em diferentes aspectos da tecnologia quântica, cada uma explorando diferentes métodos para criar e controlar qubits.

O que esperar da computação quântica?

O futuro da computação quântica é promissor, embora o caminho exato que a tecnologia seguirá ainda seja incerto. Podemos esperar vários marcos importantes nos próximos anos e décadas.

Daqui a 5 a 10 anos, podemos esperar por melhorias significativas na qualidade e quantidade de qubits, permitindo demonstrações mais convincentes de vantagem quântica em problemas específicos. As primeiras aplicações comerciais provavelmente surgirão em setores como química computacional e finanças.

No médio prazo, entre 10 e 20 anos, veremos o desenvolvimento de técnicas robustas de correção de erros, permitindo a criação de qubits lógicos que mantêm a coerência por períodos muito mais longos. Isso abrirá caminho para computadores quânticos tolerantes a falhas, capazes de executar algoritmos quânticos complexos por tempo suficiente para resolverem problemas praticamente insolúveis com computadores clássicos.

Daqui a 20 anos ou mais, computadores quânticos com milhares ou milhões de qubits tolerantes a falhas poderão transformar fundamentalmente campos como descoberta de medicamentos, ciência de materiais, previsão climática e inteligência artificial. A criptografia precisará migrar para algoritmos resistentes a ataques quânticos.

Primeiro processador quântico da Microsoft, Majorana 1 é a aposta da companhia para a nova era da computação (Imagem: Divulgação/Microsoft)

É importante lembrar, mais uma vez, que a computação quântica não eliminará a computação clássica. Em vez disso, as duas tecnologias provavelmente trabalharão em conjunto, com computadores quânticos lidando com problemas específicos para os quais são especialmente adequados.

O que podemos afirmar com certeza é que a computação quântica representa uma nova era de possibilidades, com o potencial de resolver problemas que até hoje consideramos impossíveis.

Conclusão

A computação quântica é uma revolução na forma como processamos informações. Ao explorar os estranhos e contraintuitivos fenômenos da física quântica, como superposição e emaranhamento, essa tecnologia abre portas para soluções inovadoras em diversos campos.

Embora ainda estejamos nos estágios iniciais dessa jornada, com computadores quânticos enfrentando desafios como decoerência e taxas de erro, o progresso tem sido notável. Empresas como IBM, Google e Microsoft estão investindo bilhões para superar esses obstáculos e construir máquinas cada vez mais poderosas.

O potencial da computação quântica é vasto: da descoberta de novos medicamentos à otimização de sistemas complexos, da modelagem climática à transformação da inteligência artificial. À medida que essa tecnologia amadurece, ela pode mudar nossa compreensão do que é computacionalmente possível.

Estamos testemunhando o nascimento de uma nova era na computação, na qual os limites entre o possível e o impossível estão sendo redefinidos.

Leia mais no Canaltech

  • Primeiro teletransporte quântico entre computadores é feito no mundo
  • Sistema operacional para computador quântico deixa internet quântica mais perto
  • Conheça o Willow, chip quântico revolucionário do Google

Leia a matéria no Canaltech.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.