Gigantes do Vale do Silício estão tendo uma crise de meia-idade — e a culpa é da Inteligência Artificial

A meia-idade chega com força — até para os reis do Vale do Silício. Num instante, você está revolucionando indústrias como o jovem disruptor. No dia seguinte, está encarando o abismo, “comendo vidro” — como Elon Musk costuma dizer — e vendo a disrupção bater à sua porta.

A maioria, senão todos, os integrantes do chamado “Sete Magníficas” vivem esse dilema atualmente, tentando entender, ao mesmo tempo, como a inteligência artificial ameaça seus impérios.

Esse impasse ficou evidente nas últimas semanas: as ações da Alphabet caíram mais de 7% na quarta-feira (7), após um executivo sênior da Apple revelar que o tráfego do Google via Safari caiu pela primeira vez em 20 anos. O Google depois esclareceu que continua vendo crescimento geral nas buscas — inclusive em dispositivos da Apple.

A reação dos bilionários

Tim Cook, CEO da Apple, está tentando ganhar tempo, pedindo paciência aos investidores durante a última teleconferência de resultados, enquanto a empresa atrasa o lançamento de recursos de IA no iPhone.

Já Mark Zuckerberg, cofundador do Facebook, tenta vender um futuro brilhante para sua máquina de anúncios — agora com um toque de inteligência artificial “amigável” para quem se sente sozinho.

Até Elon Musk parece suando frio, retornando do seu passeio com a Dogecoin à Tesla, tentando conter a queda nas ações da montadora com promessas de carros totalmente autônomos. “Não estamos à beira da morte — nem de perto”, disse Musk a analistas recentemente.

A frase soou como aquele personagem de Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, prestes a ser jogado numa pilha de cadáveres: “Eu não estou morto!… Estou me sentindo bem!”.

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Trilhões em valor de mercado

Para ser justo, nenhum desses gigantes está morto — ainda. E todos têm muitos motivos para estarem felizes: são pilares ultra lucrativos do capitalismo americano, com valor de mercado combinado em torno de US$ 7 trilhões.

Mas o ponto em que todos se encontram hoje — coletivamente — e como cada um reage — individualmente — parece um estudo de caso perfeito para uma atualização do clássico “O Dilema da Inovação”, de Clayton Christensen.

No livro, o autor explica como produtos ou serviços inovadores acabam substituindo líderes de mercado ao criarem novos segmentos. A obra popularizou o termo “disrupção” nas salas de reuniões, mesmo que nem sempre no sentido que Christensen pretendia.

Concorrentes menores

A essência da teoria é que empresas bem-sucedidas podem fracassar mesmo fazendo tudo certo, quando surgem concorrentes menores, livres das amarras do passado, geralmente com novas tecnologias. Lembra da Netflix mandando DVDs pelo correio, enquanto a Blockbuster ainda apostava nas locadoras físicas?

Muitos usaram esse livro para explicar o crescimento da internet, que ajudou a construir os atuais heróis do Vale do Silício. Agora, a história parece se repetir.

Assim como a internet no fim dos anos 1990, a IA promete muita coisa. Mas ainda é cedo para saber como, por quem e quando ela será usada de forma transformadora.

A Pets.com, por exemplo, era uma das promessas da bolha pontocom — e quebrou. Mesmo Christensen teve dificuldade de prever certos disruptores, como o iPhone da Apple.

Quando o aparelho foi lançado em 2007, o professor de Harvard não o viu como uma ameaça real aos celulares. No entanto, ele acabou inaugurando uma nova era de computação móvel e da economia dos aplicativos.

Novo comportamento

Mas esse ecossistema de apps talvez não dure tanto se os usuários passarem a acessar serviços de outro jeito — como via agentes de IA, por exemplo, o que poderia revolucionar o modelo da App Store.

Por enquanto, a resposta da Apple à inteligência artificial parece mais hype do que entrega. “Precisamos de mais tempo para concluir o trabalho e garantir nossa qualidade”, disse Cook aos investidores.

O Google, ao menos, já lançou o Gemini, seu assistente de IA. Mas não está claro se ele será suficiente para salvar o verdadeiro negócio da empresa — a publicidade, que gerou a maior parte da receita no ano passado. Um modelo baseado em cliques nos links pode não sobreviver num mundo onde as pessoas preferem perguntar tudo a um chatbot — inclusive: “Sobre o que é ‘O Dilema da Inovação’?”.

Ainda assim, chama atenção o fato de que nenhuma plataforma dominante parece ter encontrado uma fórmula vencedora.

Isso abre espaço para novos nomes, como Sarah Guo, uma jovem investidora de risco do Vale do Silício. Ela aposta em startups de IA com potencial para destronar os gigantes.

“Dá para dizer, estrategicamente, que tal empresa não deveria existir porque a Microsoft, a Apple ou o Google deveriam criá-la”, disse Guo no podcast Bold Names. “Mas, para essas grandes empresas, muitas vezes é difícil ser criativo com um produto arriscado.”

Basta perguntar ao Google. O lançamento do Gemini foi manchado por respostas enviesadas e pedidos de desculpas. O CEO Sundar Pichai chamou o desempenho de “inaceitável”. Tudo isso enquanto a OpenAI, mesmo sendo mais nova, parecia estar na frente.

“Sabemos que nenhuma IA é perfeita, especialmente nessa fase inicial de desenvolvimento, mas o nível de exigência é alto para nós e vamos continuar tentando pelo tempo que for necessário”, escreveu Pichai na época.

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Disrupção

Às vezes, inovações que parecem disruptivas acabam sustentando os negócios existentes.

A Microsoft, por exemplo, voltou a ultrapassar a Apple em valor de mercado após incorporar IA aos seus produtos corporativos. A Nvidia também se beneficiou enormemente, vendendo chips caríssimos para empresas que desenvolvem modelos de IA.

Mas a chegada de modelos como o DeepSeek, da China, que prometem funcionar com muito menos poder computacional, levanta novas dúvidas. Onde estará o verdadeiro valor da IA? É tudo um grande dilema. Pelo menos, ninguém morreu — ainda.

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