Cripto e poder: os bastidores — e os conflitos — do império digital da família Trump

O presidente dos EUA Donald Trump gosta de voar perto do sol quando o assunto é o negócio da família — e esse voo está mais arriscado do que nunca em seu segundo mandato. Será que ninguém está alertando Trump de que os planos cripto da sua família estão atraindo encrenca?

No mês passado, Trump anunciou que vai oferecer um jantar em seu clube de golfe na região de Washington, D.C., para os 220 maiores detentores de sua moeda meme $TRUMP. É como se dissesse: “invista no empreendimento cripto de Trump e ganhe a chance de confraternizar com o líder do mundo livre”.

O presidente afirma que tudo está dentro da legalidade. Ainda assim, a iniciativa levanta suspeitas de conflito de interesse, ao parecer que está vendendo acesso ao presidente.

Leia mais

  • Como criar uma memecoin para chamar de sua

Conflitos éticos

A Trump Organization e empresas afiliadas detêm 80% dos tokens da moeda $TRUMP, que estão sujeitos a um período de bloqueio de três anos. Qualquer valorização provocada por uma onda de compras aumenta a fortuna da família Trump — ao menos no papel.

Segundo a empresa de blockchain Chainalysis, os negócios da família Trump e seus parceiros já se beneficiaram com mais de US$ 300 milhões em receita gerada pelo comércio da moeda. Uma porcentagem de cada transação vai para carteiras digitais ligadas aos criadores da moeda, funcionando como uma espécie de taxa.

Quando Trump lançou sua moeda meme, dias antes da posse, disse que o objetivo era “se divertir”. Como destacamos na época, o empreendimento envolve riscos políticos e conflitos éticos.

Na semana passada, a Bloomberg News revelou que, dos 25 maiores detentores registrados no site da moeda, apenas seis compraram os tokens por meio de corretoras americanas. Os demais usaram plataformas estrangeiras que dizem proibir clientes dos EUA.

Isso indica que a maioria dos compradores está no exterior. Estrangeiros são proibidos de contribuir para campanhas políticas nos Estados Unidos, mas não há restrição para que eles invistam em empresas ligadas a políticos.

E é basicamente isso o que os compradores estrangeiros dos tokens de Trump estão fazendo. Será que alguns estão tentando comprar boa vontade com a administração Trump?

Sem negociação pública

Depois, há o outro empreendimento cripto da família Trump, a World Liberty Financial, que já arrecadou US$ 550 milhões com a venda de tokens desde outubro. Uma entidade empresarial ligada a Trump e seus familiares detém uma fatia significativa da World Liberty. Diferentemente da maioria das criptomoedas, os tokens da empresa não podem ser negociados publicamente, embora seus detentores supostamente tenham direito a voto na governança da companhia.

No mês passado, a DWF Labs, uma empresa de cripto com sede nos Emirados Árabes Unidos, anunciou que comprou US$ 25 milhões em tokens da World Liberty Financial. “Nossa visibilidade nos EUA aumentou por causa desse acordo”, disse um sócio-gerente da DWF ao New York Times. “Gostaríamos de ter um diálogo direto com os formuladores de políticas.” Sem dúvida.

Zach Witkoff, filho do enviado diplomático de Trump, Steve Witkoff, cofundou a World Liberty Financial e ajuda a tocar as operações diárias. Será que ele pode viabilizar esse “diálogo” dando um toque no pai, também cofundador? Neste mês, o jovem Witkoff afirmou que Abu Dhabi usará a nova stablecoin da World Liberty para investir US$ 2 bilhões na corretora de criptomoedas Binance.

O acordo deve fortalecer a stablecoin ligada a Trump e dar à World Liberty mais ativos para investir. A Binance se declarou culpada em 2023 por violar leis americanas contra lavagem de dinheiro e sanções. Seu cofundador, Changpeng Zhao, também admitiu culpa por infringir a Lei de Sigilo Bancário. Segundo a imprensa, Zhao estaria buscando um perdão presidencial.

Mais regras

Zach Witkoff também se reuniu no mês passado com o primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, e com o chefe do Exército, Asim Munir. Logo depois, a World Liberty Financial anunciou um acordo com o governo paquistanês para acelerar a adoção de criptomoedas no país.

A promoção de criptoativos pelos Trump é particularmente imprudente, já que a administração atual será responsável por regular produtos e práticas do setor cripto.

Democratas já estão acusando a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) de passar pano para os negócios cripto da família Trump. Na quinta-feira (8), democratas bloquearam uma votação no Senado sobre um projeto bipartidário que criaria uma estrutura regulatória para as stablecoins. O setor cripto apoia a proposta, mas agora os democratas exigem regras e fiscalização mais rígidas.

Leia mais

  • Paul Atkins: o novo presidente da SEC que pode mudar o futuro das criptomoedas – e afetar até o Brasil

Imagem política

Espera-se que a imprensa passe os próximos anos correndo atrás de histórias sobre o império cripto da família Trump.

A imagem política é péssima, especialmente à luz das tarifas alfandegárias propostas por Trump. Os anúncios da campanha democrata nas eleições legislativas praticamente se escrevem sozinhos: milhões em lucros obscuros com cripto para a família Trump — e, para o resto da população, as famosas “duas bonecas” e “cinco lápis” prometidos por Trump.

Os leitores devem se lembrar da polêmica envolvendo doadores políticos do governo Clinton que passaram noites no Quarto de Lincoln da Casa Branca.

Mais recentemente, Trump criticou duramente Hunter Biden por atrair investidores estrangeiros e oferecer acesso a Joe Biden. E não dá para esquecer a venda de quadros de Hunter para compradores desconhecidos.

São críticas às práticas políticas duvidosas. O negócio cripto da família Trump parece ser um acidente político prestes a acontecer.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.