Marianna Brennand, de Manas, Recebe Prêmio no Festival de Cannes

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O filme Manas é como um tsunami: uma onda gigante que arrebata tudo por onde passa, e cujo ponto de origem está mais longe do que se pode avistar. Lançado em 2024 no Festival de Veneza e com estreia nacional na última quinta-feira (15/05), o filme começou a ser elaborado em 2014. A obra de ficção retrata a condição real de exploração sexual e abuso intrafamiliar infantil na Ilha de Marajó, na região Norte.

Para um tema tão difícil, o olhar cuidadoso da diretora Marianna Brennand, que vem colecionando elogios e prêmios desde a estreia mundial, em Veneza, onde levou o prêmio de direção, honraria máxima da Giornate Degli Autori. Desde então, já são mais de 20 premiações diferentes, com projeções para que o filme chegue ao Oscar. 

No último domingo (18/05), em Cannes, na França, Marianna ganhou mais um deles: o Emerging Talent Award, categoria de diretoras revelação do prêmio Women in Motion, que completa 10 anos em 2025 e é uma iniciativa do Festival de Veneza com o grupo Kering – detentor das maisons Gucci, Saint Laurent, Brioni e Bottega Veneta, entre outras do mercado de luxo – para valorizar a participação feminina na indústria cinematográfica. 

A diretora, que tem um histórico grande com documentários – e é também presidente do Conselho Deliberativo da Oficina Francisco Brennand, de quem é sobrinha-neta –, falou à coluna sobre a jornada de Manas até aqui.

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Jamilli Correa interpreta a protagonista Marcielle em Manas, filme de Marianna Brennand

Donata Meirelles: Manas é um filme difícil, mas que não nos agride. Faz diferença ser uma mulher na direção?

Marianna Brennand: Ah, eu acho que faz toda a diferença. Manas é um filme sobre a potência do feminino, sobre quebrar silêncios e encorajar mulheres a quebrarem esses silêncios. E sobre um tema absolutamente nosso, que é, infelizmente, viver tanta violência no dia a dia. E eu acho que esse filme foi uma oportunidade, como mulher, diretora, co-roteirista e produtora, de contar uma história sobre nós, mulheres, do nosso ponto de vista, com um olhar sensível, que não estetiza a violência, não explora nem fetichiza nossos corpos. A gente está acostumada a se ver retratada pelo olhar masculino, que erotiza o corpo feminino. 

O que o prêmio em Cannes, do grupo Kering, significa para você entre os outros que o filme vem ganhando? 

Depois de dez anos de trabalho e de mergulho nesse filme, recebi esse reconhecimento com muita emoção. É uma honra receber esse prêmio. Acho que ser a primeira brasileira a receber o Women in Motion, como Emerging Talent, que reconhece o trabalho de uma diretora estreante todos os anos, tem uma força coletiva muito grande, pois traz visibilidade para mim, mas traz também para todas as mulheres incríveis do cinema brasileiro, e para o nosso cinema brasileiro. E receber esse prêmio com um filme como o Manas, que existe para dar voz a mulheres e crianças silenciadas, é ainda mais importante.

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Marcielle, vivida pela estreante Jamilli Correa, é a protagonista de Manas, filme de Marianna Brennand

Também acho muito simbólico receber o prêmio ao lado da Nicole Kidman, laureada pelo conjunto da carreira dela. A Nicole tem um compromisso público com a representatividade feminina, e se propôs a trabalhar em um filme dirigido por uma mulher todos os anos. Também fiquei feliz por ter sido escolhida pela diretora que recebeu o prêmio no ano anterior, Amanda Nell Eu, que é da Malásia e tem um filme lindo e muito potente, chamado Tiger Stripes, que ganhou a Semana da Crítica em Cannes. 

Você já tem planos para usar o valor do prêmio?

Estou pesquisando dentro da temática do feminino ainda, que é algo que me interessa muito. Enquanto nós mulheres continuarmos existindo, sendo silenciadas, sofrendo algum tipo de violência, seja ela qual for, sexual, psicológica, moral, física, eu vou continuar debruçada em falar sobre isso, em lançar a luz de alguma maneira. Ainda estou pesquisando, não tenho nada concreto sobre o que possa falar, mas justamente agora, recebendo esse prêmio, ele vai me dar força, incentivo e impulso para mergulhar de imediato no próximo projeto. 

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Dira Paes em cena de Manas, filme premiado de Marianna Brennand

A palavra “delicado” tem sido muito usada para descrever Manas, não é?

No filme, a delicadeza está em várias camadas, mas eu diria que essa camada não está só no olhar feminino; ele é um olhar ético e respeitoso, que deveria ser de todos. Muitas vezes [no cinema] há um plano de um corpo feminino sendo erotizado, buscando uma justificativa para um olhar de desejo de um homem, para um abuso – quando, na verdade, não existe justificativa. A gente está contando a história de uma menina, de uma criança de 13 anos. 

Esse projeto é resultado de um trabalho de dez anos, desde conhecer a história, a criar o roteiro e realizar a produção. E agora você está em uma outra longa etapa, de divulgação. Como tem sido? 

Ah, tem sido uma jornada muito bonita, de conexão com o público. O Manas está ecoando no coração das pessoas. E eu acho que grande parte disso é pela maneira como essa história é contada, por fazer com que o espectador sinta, muito mais do que ele veja essa violência. No primeiro impulso para fazer esse filme, quando a ideia ainda era a de um documentário, o meu desejo era o de, quem sabe, a partir de uma denúncia, conseguir gerar transformação. Ao longo do tempo, fui entendendo que a ficção é que me daria as ferramentas para contar essa história de uma maneira que tivesse um alcance maior, e também que eu pudesse proteger essas mulheres, essas crianças, e contar uma história sem trazer mais violência.

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Rômulo Braga, Fátima Macedo e Emily Pantoja (ao fundo) em cena de Manas, filme premiado de Marianna Brennand

Então, o tempo inteiro, eu tinha o espectador muito próximo de mim; eu queria que esse filme aproximasse o público e gerasse transformação. Era preciso que se conseguisse assistir a esse filme, pois ele te provoca, ele te deixa desconfortável. A intenção é que a pessoa se coloque no lugar dessa criança, e que ao final da narrativa saia do cinema com desejo de transformação. Este também é o momento em que a gente lança nossa campanha de impacto, Manas Apoiam Manas, projeto que exibe o filme em comunidades onde o cinema comercial não chega, começando pelo Marajó, além de sessão de debates sobre o assunto, tendo o filme como ponto de partida. 

Quais são as razões para que isso aconteça de maneira tão evidente na Ilha de Marajó? 

Acho que o que acontece ali no Marajó está dentro de um contexto político, socioeconômico e geográfico. Você tem uma região ali que está a horas de distância, quilômetros de rio da cidade mais próxima. Um local muito abandonado. A personagem da Aretha, interpretada pela Dira Paes, mostra muito esse contraste entre o Estado que não chega, que não protege essas crianças, e a força do ser humano, de pessoas como a Irmã Marie Henriqueta, o delegado Rodrigo Amorim, dezenas de assistentes sociais, conselheiros tutelares e psicólogos que eu conheci nessa imersão de pesquisa e de muitas idas para lá, que lutam com a própria vida para salvar essas crianças, muitas com seus próprios recursos.

É um problema estrutural muito sério e profundo, além de tudo agravado pelo fato de vivermos numa sociedade patriarcal, que permite que essas violências continuem acontecendo. Acredito que a impunidade é também um dos grandes fatores. E as mulheres continuam silenciadas, porque ficam com medo, são ameaçadas; ainda tem o fato de que a sociedade colou a vergonha na mulher que é violentada e não no violentador. As razões são muito complexas, mas a certeza que a gente tem é de que isso não pode continuar acontecendo. 

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Em Cannes, Marianna mostrou o cartão de boas vindas assinado pelo presidente do grupo Kering

Manas chegou a ter outro título?

Manas é a maneira carinhosa como as mulheres no Norte se tratam, independentemente de se conhecerem. É o nome do filme desde o início e não foi traduzido em nenhuma outra língua, pois não há tradução que dê conta da força dessa palavra, que tem um sentido amplo de acolhimento e sororidade. 

Com Antonia Petta e Milene Chaves

Donata Meirelles é consultora de estilo e atua há 30 anos no mundo da moda e do lifestyle.

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