STF analisa cobrança de IR em doação antecipada de herança: o que está em jogo?

Ilustração: João Brito

Quando uma pessoa decide transferir seus bens para os filhos ou outros herdeiros ainda em vida, ela faz a chamada doação em vida ou adiantamento de legítima. Essa prática é comum entre famílias que possuem patrimônio significativo, como imóveis, veículos, investimentos e negócios variados.

O mecanismo permite que os bens possam ser distribuídos antecipadamente para filhos, netos ou outros beneficiários, o que facilita o planejamento sucessório, evita conflitos familiares e organiza a transição do patrimônio.

No entanto, uma questão importante está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF): essa doação deve pagar Imposto de Renda sobre o ganho de capital obtido pelo doador?

Como funciona o ganho de capital na doação?

Imagine que um pai comprou um imóvel há muitos anos por um valor baixo e agora quer doá-lo para o filho. Como o imóvel se valorizou, o preço de mercado atual é muito maior do que o valor original pago na compra. A Receita Federal entende que essa diferença — chamada de ganho de capital — deve ser tributada com Imposto de Renda no momento da doação, incidindo sobre o doador.

Ou seja, o Imposto de Renda não incide sobre o valor total do bem doado, mas sobre a diferença entre o valor de aquisição e o valor de mercado na data da doação. Esse entendimento, porém, tem gerado controvérsia.

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Bitributação

Contribuintes argumentam que a cobrança do Imposto de Renda é injusta, pois a doação já é tributada pelo ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), tributo estadual que incide justamente sobre a transferência de bens por doação ou herança.

Segundo essa visão, cobrar o IR sobre o ganho de capital na doação configuraria uma bitributação — ou seja, tributar duas vezes o mesmo fato gerador, o que é vedado pela Constituição Federal.

Como funciona a tributação hoje?

Atualmente, o ITCMD é o imposto que incide diretamente sobre a doação. A alíquota varia conforme o estado; por exemplo, em São Paulo, é de 4%. O contribuinte do ITCMD é o donatário — quem recebe o bem.

Já a cobrança do Imposto de Renda sobre o ganho de capital na doação é uma interpretação da Receita Federal, que ainda não está pacificada na Justiça.

Importante destacar que a legislação não obriga a reavaliação dos bens ao valor de mercado antes da doação, exceto em situações específicas, como imóveis adquiridos antes de 1988, que têm regras diferenciadas.

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O que está em discussão no STF?

A controvérsia chegou ao Supremo após decisões divergentes em tribunais regionais e dentro do próprio STF. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende a cobrança do IR sobre o ganho de capital apurado na valorização do bem doado, enquanto advogados tributaristas argumentam que não há renda a ser tributada, já que a doação representa uma diminuição patrimonial para o doador, e não um acréscimo.

Além disso, alegam que a cobrança do IR, além do ITCMD, configura bitributação, o que é proibido pela Constituição.

Em outubro de 2024, o STF decidiu por unanimidade que não incide Imposto de Renda sobre doações em adiantamento de legítima, ou seja, quando uma pessoa transfere bens ou direitos para seus herdeiros ainda em vida, sem receber pagamento em troca. Contudo, a discussão voltou à pauta em 2025, com repercussão geral, o que significa que a decisão terá efeito vinculante para todos os tribunais do país.

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Quais são os efeitos práticos para as famílias?

A decisão do STF terá impacto direto no planejamento sucessório de milhares de famílias brasileiras. Caso a Corte decida pela incidência do IR, cada doação deverá ser analisada individualmente, considerando o tipo de ativo e seu histórico fiscal. Imóveis antigos ou quotas de empresas exigirão atenção especial. Doações em dinheiro, por sua vez, não enfrentam esse questionamento.

Enquanto o STF não define a questão, especialistas recomendam que os contribuintes documentem rigorosamente todas as operações, avaliem os riscos e considerem medidas judiciais preventivas, como mandado de segurança, para evitar autuações fiscais indevidas.

Caso o STF decida pela cobrança do IR, há possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, protegendo quem já realizou doações antes do julgamento, que ainda não tem data marcada para ser realizado.

Agradecimentos: Amanda Abujamra Nader e Luciano de Almeida Prado Neto, sócios do MBC advogados; Bruno Damasceno, sócio do Bandeira Damasceno Advogados; Fernando Assef Sapia, tributarista do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados; e Alexandre Herlin, sócio do Ciari Moreira Advogados.

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