Luxo em crise: como a fast fashion virou a nova promessa de status

Em uma análise da Bain & Company publicada no Business Insider, “o mercado global de luxo perdeu cerca de 50 milhões de clientes em 2024”. Uma queda significativa para um setor que, após 15 anos de crescimento, enfrenta agora um declínio de 2%, impulsionado pela alta nos preços e pelo clima de instabilidade econômica mundial.

Entre os consumidores que o luxo vem perdendo, um grupo se destaca: o da classe média, responsável por movimentar principalmente os chamados produtos de entrada. Mas o que exatamente é o “luxo de entrada”? São aqueles itens com valores relativamente mais acessíveis — como linhas de maquiagem e perfumes — que permitem ao consumidor experimentar um pedaço desse universo exclusivo, mantendo a identidade visual da grife e, muitas vezes, sua qualidade.

Na moda, esse tipo de consumo carrega uma simbologia clara: trata-se de status, de pertencimento. É o que acontece, por exemplo, com marcas posicionadas na base da pirâmide do luxo, como Ganni, Longchamp e Tory Burch. Mas, diante da crise macroeconômica atual, investir em qualquer produto com preço elevado — mesmo os considerados acessíveis — parece cada vez menos atrativo. E é justamente nesse vazio que as fast fashions têm atuado com força total.

reposicionamento estratégico

As fast fashions perceberam essa brecha com rapidez. Em um momento em que até o “luxo acessível” se tornou um esforço, elas entram em cena prometendo exatamente isso: status, desejo e novidade, só que com preços viáveis. A COS, marca de fast fashion londrina pertencente ao grupo H&M, é um ótimo exemplo disso: recentemente apareceu no top 10 das marcas mais desejadas do mundo, segundo o Lyst Index. É a primeira vez que uma high-street brand conquista esse espaço.

Outdoor publicitário da COS em uma fachada clássica, destacando estilo elegante e sofisticado.

Foto: Campanha COS SS25 em Paris (Reprodução/Instagram)

E não por acaso. A COS é especialista em criar roupas minimalistas e básicas, que refletem o desejo atual pela estética do ‘quiet luxury’, sem o preço de uma marca de luxo — ainda que alguns itens da marca cheguem a custar até US$1390. Lá fora, ela é conhecida por seus altos padrões de qualidade e sustentabilidade. Para quem é fã de marcas como The Row, a COS é um prato cheio e extremamente atrativo.

O objetivo é claro: capturar o consumidor órfão do luxo — aquele que, mesmo em tempos de incerteza econômica, ainda quer se sentir parte do jogo. Então, para isso, as fast fashions têm apostado numa estética sofisticada e minimalista, investindo em campanhas com ar editorial e lançando coleções cápsula com nomes de prestígio: estilistas emergentes, colaborações com celebridades e até designers de moda experimental.

Casal com estilo sofisticado sentado em banco, segurando uma bola de tênis, transmite ar de luxo esportivo.

Foto: Coleção Abercrombie & Fitch (Reprodução/Instagram)

Esse esforço por uma nova imagem também passa pela reformulação de marcas que, por muito tempo, foram símbolo de outro tipo de moda. É o caso da Abercrombie & Fitch, que nos anos 2000 estampava sacolas com jovens musculosos e pouca roupa. Hoje, substituiu os microshorts e tops com logo por peças sofisticadas de lã, voltadas a um público mais maduro, com campanhas que evocam bem-estar e autenticidade.

Outra que seguiu o mesmo caminho foi a PrettyLittleThing. Em um certo dia, a marca simplesmente apagou todo o seu feed do Instagram e anunciou: um “novo legado” estava em construção. Conhecida antes por peças ultrassexualizadas e pela má qualidade dos produtos, hoje aposta numa estética clean, com visual mais elegante e curadoria mais cuidadosa — pelo menos no que diz respeito à narrativa digital.

Essa mudança em direção ao “luxo acessível” por parte de marcas como PrettyLittleThing e Abercrombie destaca não só a nova demanda por sofisticação a preços mais baixos, mas também a forma como essas marcas querem ser percebidas. E para reforçar esse novo posicionamento, estão se aliando a nomes de peso da indústria: celebridades, stylists e criativos que ajudam a construir esse imaginário mais elevado.

intersecção e competição entre luxo e fast fashions

Um exemplo dessa estratégia foi no MET Gala. Laura Harrier compareceu ao evento usando nada mais, nada menos que um conjunto de alfaiataria da GAP Studio, desenhado pelo diretor criativo da marca, Zac Posen. E ela não foi a única, Demi Moore também surgiu com um vestido customizado da GAP em parceria com Kim Jones em um evento.

A proposta da linha é justamente essa: pegar o básico e elevá-lo por meio de uma alfaiataria refinada e especializada. Desenvolvida dentro da sede da GAP em Nova York, a GAP Studio aposta no minimalismo sofisticado, com cores sóbrias e acabamentos precisos, oferecendo a mesma qualidade que se espera de um item de luxo — e, de quebra, reposicionando a estética da tradicional marca americana.

Irina Shayk seguiu por um caminho parecido em Cannes, não com a GAP Studio, mas com outra fast fashion que vem chamando atenção: a Mango. A modelo escolheu um conjunto off-white de blazer e calça da marca espanhola, parte de uma coleção cápsula que, aliás, já está disponível para compra.

A competição está tão acirrada que os dois territórios — o das fast fashions e o das grifes tradicionais — começaram a se misturar. De um lado, vemos varejistas de massa investindo pesado em reformulações de marca: arquitetura clean nas lojas, sacolas rígidas com ar sofisticado, paletas neutras, campanhas de estética editorial e sites com navegação digna de e-commerces de moda conceito. Tudo pensado para transmitir curadoria, bom gosto e coolness. Do outro, estão as grandes maisons, que, pressionadas pela queda de ações e pela perda de clientes — como apontado pela Bain & Company — começam a correr atrás de estratégias que antes pareciam impensáveis para o universo do luxo.

Grifes como Gucci, Ralph Lauren e Burberry vêm adotando formatos como o see now, buy now (veja agora, compre agora), rompendo com o tradicional compasso lento e exclusivo das coleções de luxo. É uma resposta direta à agilidade e adaptabilidade que a fast fashion sempre soube executar bem.

Já passamos da fase das collabs pontuais entre luxo e varejo, como H&M e Versace, que antes serviam como pontes temporárias entre os dois mundos. Agora, o cenário é outro: o que vemos é uma tentativa real de equivalência — ainda que desigual — onde cada lado tenta absorver o que o outro tem de mais forte. O luxo tenta ser rápido. A fast fashion, desejável. E no meio desse embate, surge o consumidor, cada vez mais influenciado e, talvez, confuso, convencido de que pode viver o “sonho do luxo” por um preço viável.

a pergunta que não quer calar

Será mesmo que migramos para uma nova era de luxo acessível? Ou tudo isso não passa de mais um ciclo? Desta vez, embalado com uma etiqueta mais bem cortada e uma promessa de exclusividade que continua, no fim das contas, sendo vendida em larga escala?

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