Clueless, chapéus e cinema: um bate-papo com a figurinista Mona May

Nem todos terão a sorte que eu tive. E está tudo bem, eu também não terei a sorte de muitas pessoas que gostaria de ter. Mas, permita-me me gabar um pouquinho sobre como foi bom poder ter entrevistado Mona May. Dona de uma personalidade super cativante, figurinista do filme mais estiloso do século (As Patricinhas de Beverly Hills) e praticamente uma brasileira com CPF e tudo.

Quando o convite surgiu, eu estava em casa como quem não quer nada. Mas vez ou outra sou surpreendida com pedidos especiais vindos da minha chefe. Eu, que não sou o tipo de pessoa que nega uma oportunidade de jeito nenhum, abracei o desafio sem receio. Reuni minhas perguntas, estudei o repertório da Mona, mergulhei em outras entrevistas, peguei minha mala e cuia e fui até o JK Iguatemi, em São Paulo.

Para contextualizar, Mona já estava no Brasil para o Iguatemi Talks Fashion, evento que sempre reúne figuras expoentes do mundo da moda para participar de papos super legais sobre o universo fashion, trazendo insights valiosos e únicos para quem participa.

Mona May usar óculos vermelhos sentada, cercada por roupas em cabides e manequim.

Foto: Mona May (Reprodução/Instagram)

Chegando lá, confesso que estava um pouco ansiosa. Posso entrevistar 500 personalidades, mas sempre vou chegar nervosa em alguma entrevista. Mas, sendo bem sincera, sou desenrolada e, modéstia à parte, se tem uma coisa na qual sou boa é ter uma bela boca de matraca e uma vontade absurda de conversar sobre todo tipo de assunto.

Coincidentemente, quem também é ótima para assuntos inesperados e descontraídos é a própria Mona May. Estava sentada na sala reservada e, quando chegou, fez questão de nos mostrar o chapéu novo que comprou no centro de São Paulo (como falei, uma brasileira com CPF e tudo!). Para quem ficou curioso, o nome da loja é “A Esquina Chapelaria”, bem tradicional, presente na cidade desde 1935.

Ela contou que a loja era incrível, cheia de coisas legais e malucas tipo ela. Dei risada e, a partir daí, já senti que o papo seria ótimo.

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Sentamos, e a figurinista continuou a conversa. “Entre entrevistas e sessões de fotos, o ritmo é frenético, uma verdadeira maratona de entrevistas, banquinhos e um fluxo constante de ideias: ‘Bam, bam, bam!’” contou. Apesar da correria, havia uma animação contagiante no ar. “É uma agenda maluca, mas tudo bem,” Mona comenta, cheia de entusiasmo. “Estou tão animada para conversar com você!”

E, claro, eu já sentia aquela alegria de jornalista. “Imagina, Mona, o prazer é todo meu”, pensei comigo. Minha primeira pergunta foi uma chance para conhecê-la ainda mais: “Quando você percebeu que queria trabalhar no mundo da moda? Foi algo que descobriu na infância ou surgiu de repente?” A resposta veio repleta de nostalgia, com memórias de uma menina que desenhava princesas com trajes elaborados, criando pequenas coleções desde os quatro ou cinco anos. Desde então, ela sempre soube que a moda fazia parte dela, tanto que já opinava nas roupas da mãe, recusando algumas opções com um decidido “não, não, não!”

“Era algo que já estava dentro de mim,” reflete. “Sempre foi muito divertido, e depois fui para escolas de moda. Na escola de arte, aprendi sobre história da arte, que sempre foi muito importante para mim. Fui inspirada por fotógrafos como Helmut Newton e pela própria natureza.” Sua jornada para se tornar designer foi cheia de descobertas, mas, ao chegar em Los Angeles, sua história ganhou novos contornos.

foi mais sobre a psicologia do ser humano do que apenas moda; era sobre explorar quem eram os personagens, de onde vinham, e suas jornadas.”

Os amigos da escola de cinema a chamaram para um pequeno projeto: “Estamos fazendo um curta, e precisamos de roupas. Você pode trazer algumas?” O roteiro despertou curiosidade e, ao lê-lo, ela percebeu que estava prestes a se apaixonar por um novo aspecto da moda: contar histórias por meio das roupas. “Foi mais sobre a psicologia do ser humano do que apenas moda; era sobre explorar quem eram os personagens, de onde vinham, e suas jornadas.”

Em um momento nostálgico, quando perguntei sobre o seu primeiro grande trabalho no cinema e se ela poderia descrever qual foi a sensação, a designer reflete sobre o processo criativo de Clueless (As Patricinhas de Beverly Hills), um filme querido pelo público graças ao charme das personagens, que, ao invés de representarem modelos distantes, trazem a realidade das adolescentes do ensino médio. Essa busca por autenticidade é, para ela, a essência do figurino — é preciso captar a humanidade de cada personagem.

Ao falar sobre o trabalho com CGI em Stuart Little, ela revela o desafio de vestir um personagem nada convencional: um ratinho com “a pior forma física” (risos) de todos os atores com quem trabalhou, brincou. Trabalhar com CGI envolve uma simulação minuciosa, desde texturas até os movimentos do tecido, exigindo uma parceria cuidadosa com os especialistas em animação. Ela se orgulha do resultado final, em que Stuart ganha traços humanizados e expressivos.

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Para ela, o figurino tem um papel poderoso na criação de uma narrativa visual que conecta o público ao personagem, seja na fantasia ou em culturas reais. A pesquisa é uma de suas partes favoritas no processo: ao representar alguém de outro país, por exemplo, ela explora a história e os detalhes culturais que vão dar vida ao personagem, como acessórios específicos que carregam significado.

Sobre os tipos de produções, ela revela que ama a inovação e aprecia a diversidade em seu portfólio — seja um filme fantástico como Encantada, que demanda uma construção de mundo completa, ou algo mais contemporâneo como Clueless. Para ela, a inovação é o que torna o trabalho interessante e enriquecedor. Mona fala com tanta certeza e com tanto brilho nos olhos sobre poder se desafiar cada vez mais em diferentes tipos de trabalho, que eu quase saí da entrevista pedindo um estágio para ela.

No meio dessa explicação sobre seus projetos e experiências, tive um insight digno do “The Look” – o nosso podcast. Assim como já perguntei para diversos convidados, questionei Mona sobre as maiores mudanças que ela percebeu na indústria nos últimos anos. Confesso que sua resposta me deu muito em que pensar; comentei com ela que provavelmente ficaria refletindo sobre isso por dias. “É uma corrida contra o relógio e os custos,” começou. “Hoje, há menos tempo e uma equipe reduzida.” Em vez de semanas para ajustes, agora conta com apenas duas provas de roupa, o que, segundo ela, impacta diretamente a qualidade artística. “É um verdadeiro desafio,” confessou, mencionando a dificuldade em manter o cuidado com o figurino quando o foco principal passou a ser o lucro, e não a arte.

Ela compartilha sua frustração com a transformação de “filmes” em “conteúdo”, onde a essência artística é substituída pela necessidade de manter assinantes. Com pesar, destaca que, hoje, seu trabalho “não é mais arte, mas sim conteúdo.” Mesmo assim, Mona se esforça para deixar sua assinatura pessoal nas produções, esperando que os espectadores ainda encontrem inspiração em seus figurinos.

Duas mulheres usam roupas xadrez vibrantes em cena de filme influenciado por Mona May. Uma veste amarelo, a outra preto e branco.

Foto: Cher e Dionne (Reprodução/Pinterest)

A indústria passou por mudanças significativas, com o aumento do controle corporativo e a aceleração dos processos. “Grandes produções de comédia como Never Been Kissed e Romy and Michelle — produções onde ela também trabalhou — talvez nem fossem financiadas hoje”, comenta. Mas, apesar dos desafios, ela sente orgulho do espaço crescente que a profissão conquistou e do aumento no reconhecimento do trabalho dos designers de figurino, especialmente mulheres, que ainda enfrentam desigualdades salariais em relação a outras áreas da produção cinematográfica. Para ela, cada filme é uma nova cruzada em que seu talento pode fazer a diferença.

Por exemplo, ao desenhar para Clueless, ela sonhava em criar algo intemporal, e usou referências das passarelas de Londres e Paris para dar um toque sofisticado e universal ao figurino. “Foi importante pra mim que o filme não envelhecesse,” diz. De A-line skirts e vestidos com cintura império a blusas de chiffon e jaquetas de couro, a designer queria algo que fosse empoderador e que se encaixasse em diversos tipos de corpo, fazendo com que qualquer pessoa se sentisse bem e bonita.

foi importante pra mim que o filme não envelhecesse

Ao longo da carreira, ela afirma ter o propósito de celebrar a feminilidade e inspirar as mulheres. “Quero que elas se sintam inspiradas a se celebrar.” Trabalhando em filmes como Clueless, Never Been Kissed e Encantada, sempre buscou valorizar o corpo feminino de uma forma que exalasse beleza e feminilidade, afirmando que “isso é algo que as mulheres precisam.”

Eu, por mim, passaria horas conversando com Mona May, queria que ela me contasse todos os segredos dos bastidores de cada filme em que trabalhou. Ouviria por horas sobre seu processo criativo, viagens em busca de tecidos e roupas para seus filmes. No entanto, após trinta minutos, percebi que o tempo estava chegando ao fim e então passei para as perguntas mais clássicas. O que ela diria para quem está começando agora? Para aqueles que, um dia, sonham em trabalhar nessa área?

Sua orientação é direta: seja assistente, aprenda com grandes nomes e desenvolva um senso aguçado de arte e moda. “Estude moda, arte. Esteja por dentro.” Ela incentiva os aspirantes a trazerem sua visão de mundo para o trabalho, pois acredita que, no fim, o figurino é um espaço de colaboração e troca de ideias criativas.

Antes de me despedir, surge a pergunta que todos estão curiosos para saber: “Se você pudesse ‘roubar’ uma peça de tudo que já selecionou para seus personagens, qual seria?” Ela sorri, visivelmente empolgada com a questão, e responde: “Adorei essa pergunta! Nunca a ouvi antes” — pausa para o mini chilique de orgulho. Com um toque de nostalgia, menciona uma peça especial: “Seria o Alaïa.” Contudo, acrescenta: “Infelizmente, eu tive que devolver para o Sr. Alaïa, pois não tínhamos dinheiro para comprá-la.”

O Alaïa, em questão, é o vestido curto vermelho que Cher usa quando diz: “Não, você não entende, isso é um Alaïa,” na cena em que é assaltada e o assaltante a manda deitar no chão. Pois é, Cher, eu te entendo… eu também hesitaria se estivesse usando uma peça dessas.

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