De Brazil Journal a IstoÉ e Platô: uma nova elite de Minas Gerais investe no mundo da mídia

Nos últimos anos, empresários de Minas Gerais têm trazido algum agito ao mercado de mídia brasileiro – ainda que isso esteja acontecendo sem muito alarde, ao melhor estilo mineiro.

Marcas tradicionais, como a IstoÉ, e também grifes do jornalismo empresarial, como o Brazil Journal, são parte dessa nova dinâmica de negócios, que busca desafiar a hegemonia midiática das famílias do eixo Rio-São Paulo que há décadas dominam o segmento, como os Marinho, da Globo; os Frias, da Folha; e os Mesquita, do Estadão

A estratégia inclui a aquisição de marcas ou veículos já estabelecidos e também a criação ou compra de participação em novos sites de notícias. Os protagonistas dessa história são os empresários Flávio Carneiro, Antonio Freixo Junior (conhecido como Mineiro), Kleber Tolezani e ainda o fundo de investimento Leal.

O Clube da Esquina do jornalismo

Antonio Freixo Junior, conhecido como Mineiro, pagou R$ 15 milhões três anos atrás pelo direito de explorar as marcas IstoÉ e IstoÉ Dinheiro no ambiente digital. A negociação foi facilitada pela crise da Editora Três: fundada pelo argentino Domingo Alzugaray em 1972, a empresa já vivia problemas financeiros e teve sua falência decretada pela Justiça no início de fevereiro, levando consigo mais de 50 anos de história no jornalismo impresso. As marcas digitais, que já haviam sido repassadas a Mineiro, ficaram de fora da falência.

Mineiro fez sua carreira em bancos, entre eles o Credit Suisse e o Garantia. Hoje, é dono do Grupo Entre, fundado em 2019. Trata-se de uma holding focada nos setores financeiro e de tecnologia, dona da fintech EntrePay e da PMovil, que oferece serviços para operadoras de telefonia celular – além, é claro, dos recentes investimentos no jornalismo digital.

O negócio principal do grupo está na distribuição de máquinas de pagamento, as chamadas maquininhas, e nos serviços gerados a partir delas, como pagamento de boletos e oferta de financiamentos. O Banco do Nordeste e o Banco do Pará (Banpará) são alguns dos clientes da holding.

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Mineiro, o único dos investidores em grupos de mídia que atendeu o pedido de entrevista do InvestNews, explicou que a inspiração para investir nas marcas da IstoÉ veio da estratégia do PagBank, que se apoiou na reputação de sua empresa-irmã, o portal de notícias UOL, para ganhar mercado. “Fazer um conteúdo independente e de qualidade contribui para gerar confiança em nosso público e nos ajuda na nossa estratégia de expansão.”

A associação com um veículo tradicional do jornalismo ajuda a validar o Grupo Entre como uma empresa confiável, argumenta Mineiro. “Por mais que eu tivesse uma experiência no wealth [management], os bancos ainda não me conheciam como empresário.”

Mineiro diz, no entanto, que não se mete no conteúdo. “Não virei publisher. Continuo sendo um comerciante.”

Do ponto de vista do alcance de público, o investimento já está dando retorno esperado pelo empresário. Segundo ele, tanto o número de visitantes únicos quanto o de pageviews mais que dobrou entre dezembro e março.

Agora, o Grupo Entre se prepara para relançar a edição impressa da IstoÉ, mas ainda sem data prevista.  “O impresso ainda tem valor e pode ser eficaz quando usado de maneira correta”, defende.

Aliança

Para ampliar o alcance para além da IstoÉ, Mineiro partiu para a parceria com outros veículos de mídia. No ano passado, IstoÉ se juntou ao site de negócios Brazil Journal em um syndication para publicar notícias do então recém-lançado Platô BR, que cobre política e os bastidores do poder em Brasília. Na prática, os conteúdos são compartilhados entre as diferentes marcas, uma estratégia para fortalecer as publicações e oferecer aos anunciantes acesso a diferentes públicos.

Um dos diretores da holding de Mineiro, Kleber Tolezani, viu potencial nos veículos para ter uma participação mais direta.

Engenheiro formado na USP e especialista em software digital, Tolezani foi quem fundou a PMovil e a vendeu em 2023 para Mineiro, permanecendo no grupo Entre como diretor. Hoje, além de sua rotina na empresa, segundo registros acessados pelo InvestNews, o engenheiro aparece como responsável pelos seguintes CNPJs:

  • da IstoÉ online,
  • do site de entretenimento Glow News e
  • da BJ Conteúdo, uma joint venture entre a empresa do fundador do Brazil Journal e a Foone e que traz ainda como sócios diversos profissionais do veículo de notícias.

Tolezani chegou a ser responsável pelo CNPJ da Foone Serviços, embora não tenha mais relação com a empresa. Atualmente, ela é administrada por Flávio Jacques Carneiro, empresário do ramo de mídia de Minas Gerais e um dos herdeiros do Grupo Bel, que toca concessões de rádio e televisão no interior de Minas Gerais.

Amigo de políticos como Aécio Neves, Carneiro é dono de uma afiliada da Record TV no Estado, a Rede Mais, e já foi proprietário do jornal Hoje em Dia, também de Minas. Além disso, uma de suas empresas, a Zero Zero, presta serviços de marketing institucional para o Grupo Entre, de Mineiro.

Foi Carneiro quem ajudou a organizar em novembro, junto ao fundador e controlador do Brazil Journal, Geraldo Samor, o ESG Summit, evento que reuniu grandes nomes do setor público e da iniciativa privada e que, em seu material de divulgação, tinha como proposta “discutir propostas para que o Brasil seja protagonista na economia de baixo carbono”.

Criado em 2016 por Geraldo Samor, o Brazil Journal mudou a história do jornalismo de negócios brasileiro. Com o slogan “quem faz o PIB lê”, ganhou a Faria Lima com informações exclusivas e um estilo próprio de contar histórias. Entre 2022 e 2023, expandiu sua operação – antes fortemente concentrada no site e em newsletters – para vídeos e depois eventos.

Foi em 2023, em meio a esse processo, que surgiu a BJ Conteúdo, aquela que tem profissionais do Brazil Journal como sócios e na qual Kleber Tolezani aparece como um dos responsáveis. A Globalphii, empresa de Samor, tem 50,1% da BJ. A Foone, administrada por Carneiro, 49,86%.

O networking de Carneiro e sua experiência no mundo da mídia têm feito a diferença na união de forças desses veículos digitais de notícias. Mineiro, do Grupo Entre, diz que ele foi fundamental para a constituição do syndication, mas afirma não saber das relações profissionais entre Carneiro e Tolezani.

“Eu nunca fiz sociedade com o Kleber, essas coisas que ele toca são business dele”, afirma o fundador do Grupo Entre, acrescentando que Tolezani está em processo de saída da holding.

Na Receita Federal, Flávio Carneiro é ainda o administrador do site PlatôBR – CNPJ que foi constituído por Tolezani e pela Foone em outubro de 2024, mês que marcou o lançamento do site voltado para acompanhar os bastidores da política.

Todas essas empresas de mídia, mais o Grupo Entre, têm seus CNPJs registrados no mesmo prédio comercial, em São Paulo: o Edifício Iguatemi Offices Building, na rua Iguatemi, 192. Platô e Foone estão no mesmo conjunto, o 192; Glow no 183 e BJ Conteúdo, no 184; o Grupo Entre e os sites IstoÉ, nos 51 e 52.

Foone

Os negócios de Tolezani e de Carneiro se concentram na Foone Serviços, que foi criada por Tolezani e hoje é administrada por Carneiro. Empresa de mídia e tecnologia, diz que seu principal foco é “a criação de conexões para a propaganda através da integração de canais de audiência massiva, da construção de conteúdo para jornadas de conversão, anúncios e marketing”.

A Foone tem sido bem-sucedida na atração de empresas – muitas de Minas ou controlada por mineiros – para os veículos que estão no seu portfólio de participações.

A Oncoclínicas, de Bruno Ferrari, o Banco Master, de Daniel Vorcaro (recém-vendido para o BRB), a Cedro Participações, de Lucas Kallas, e o próprio Grupo Entre aparecem como apoiadores desses veículos em banners de patrocínio, conteúdo patrocinado (“branded content“) e também em eventos.

A Foone é administrada por Carneiro, mas controlada pelo fundo de investimento Duke, que, por sua vez, faz parte da carteira de um outro fundo, chamado Leal.

Descentralização

O avanço da elite mineira nos investimentos em mídia e comunicação reforça a descentralização do jornalismo desencadeada pelo avanço do mundo digital. Até dez ou 15 anos atrás, a importância de proximidade do mercado consumidor para distribuir fisicamente jornais e revistas e a concentração da força econômica ajudaram a fortalecer grandes veículos de comunicação no eixo Rio-São Paulo.

O crescimento do mundo digital deixou para trás a vantagem competitiva da localização geográfica e atraiu novos players para o mercado de Jornalismo, como a Foone, a PMovil criada por Tolezani e a Entre, de Mineiro, todas com forte componente tecnológico. “Minas é um pólo de inovação. O Google tem uma das bases de operação no Estado (…) Lá também é celeiro de bancos digitais”, diz Mineiro.

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