Um ano e nenhuma emissão: o fracasso das debêntures de infraestrutura

O setor de infraestrutura e o mercado de capitais estão prontos para receber de volta os investimentos dos fundos de pensão após mais de uma década. Só que, até agora, o principal convidado não apareceu. Mais de um ano após o governo federal lançar as debêntures de infraestrutura — um produto feito sob medida para esse tipo de investidor — nenhuma emissão foi feita.

Estima-se que o Brasil tenha que investir algo em torno de 4,5% do PIB por ano em infraestrutura, o que sugere uma faixa de R$ 480 bilhões a R$ 520 bilhões por ano. Para fazer frente a essa necessidade, é preciso ter investidores com bolsos fundos e que trabalhem com horizontes longos de investimento: definição perfeita dos fundos de pensão brasileiros, detentores de impressionantes R$ 1,2 trilhão em patrimônio. Só que, até agora, eles seguem como meros espectadores.

Leia também:

  • De metrô a saneamento: os planos (bilionários) da Acciona no Brasil
  • Refinarias privadas sob pressão: a guerra invisível do petróleo brasileiro

Os três maiores do país são a Previ (de funcionários do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras) e Funcef (da Caixa). São verdadeiras potências financeiras. No mundo, os fundos de pensão são tradicionalmente os principais financiadores de infraestrutura, justamente por seu perfil de investimento de longo prazo.

Segundo a OCDE, cerca de 3,5% do patrimônio líquido dos fundos de pensão mundo afora — o equivalente a US$ 2,1 trilhões — está alocado nesse setor. No Canadá, o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) aplica quase US$ 40 bilhões, ou 8% de seu patrimônio líquido, em projetos de infraestrutura, como rodovias, portos e serviços públicos.

Aqui no Brasil a presença dos fundos de pensão em projetos de infraestrutura também era uma realidade há mais de uma década, até que a operação Lava Jato mudou o jogo. Os escândalos envolvendo aplicações em fundos de participação e projetos suspeitos mergulharam o setor numa paralisia.

Desde então, o receio dos gestores, relatam especialistas, é o risco de responsabilização pessoal caso o projeto não saia conforme o esperado. “Mesmo que esteja tecnicamente correta, a gestão prefere não tomar nenhuma decisão que possa gerar um passivo pessoal”, diz ao InvestNews um experiente gestor do setor privado, que prefere não se identificar.

Um exemplo clássico da frustração dos fundos de pensão com projetos que envolvem a infraestrutura foi o da Sete Brasil. Criada em 2010 para fornecer sondas de perfuração para a exploração do pré-sal, a empresa recebeu investimentos de diversos fundos, incluindo Previ, Petros, Funcef, além de aportes do FI-FGTS. No entanto, a Sete Brasil entrou em recuperação judicial em 2016 e hoje soma mais de R$ 30 bilhões em dívidas.

CMN tenta abrir caminho

Para tentar destravar os investimentos dos fundos de pensão, o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicou no fim de março uma resolução (a 5.202) que passa a autorizar formalmente essas entidades a aplicarem recursos em debêntures de infraestrutura, cotas de Fiagro, créditos de descarbonização e outros ativos que, até pouco tempo atrás, estavam fora do alcance dos fundos.

A expectativa era de reentrada triunfal: um novo marco para reativar o financiamento de obras, logística e energia. Mas apenas a mudança regulatória ainda não foi capaz de superar a cautela dos fundos de pensão em investir em infraestrutura.

Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), diz que a resolução acabou trazendo mais dúvidas. Embora permita os investimentos nas debêntures de infraestrutura, o texto deixou alguns pontos cegos que vão precisar ser esclarecidos pelo CMN.

Canteiro de obras da estação PUC-Cardoso de Almeida, da Linha 6 do Metrô de São Paulo
Canteiro de obras de uma estação de metrô em São Paulo (Acciona/Divulgação)

O ponto mais controverso é a exigência de coobrigação dos bancos nas emissões de empresas de capital fechado — justamente as que dominam o setor de infraestrutura, uma vez que os players da atividade costumam criar Sociedades de Propósito Específico (SPEs) para captar recursos e administrar suas concessões.

Na prática, de acordo com o texto atual, as instituições financeiras teriam que atuar como fiadoras dos fundos de pensão até o fim – estamos falando de papéis que podem levar mais de uma década para vencer. “Essa exigência não é comum no setor e acaba encarecendo a operação. Ou seja, praticamente inviabiliza essas emissões”, afirma Cury.

E mesmo que a regulação fosse “perfeita”, o dirigente lembra que o rendimento generoso dos títulos públicos segue como um grande obstáculo. Com os títulos do Tesouro Nacional de 10 anos (a NTN-B) pagando a inflação + 7% ao ano, muitos gestores preferem ficar no conforto da dívida pública.

“Os gestores refletem: ‘se com a NTN-B eu supero minha meta, por que eu deveria assumir algum risco?’”, diz Cury, verbalizando o pensamento dominante no setor. “No cenário atual, a responsabilização é 20% do problema — os outros 80% são o custo de oportunidade.”

Para André Pires, CFO da Aegea, uma das maiores empresas de saneamento do país, é inegável a importância dos fundos de pensão para os projetos de infraestrutura. O executivo demonstra otimismo com a nova regulamentação.

Roberto Barbuti, CEO da Iguá Saneamento, também reconhece a necessidade desse grupo de investidores. O problema é que, para competir com os títulos públicos, as empresas precisam pagar custos muito altos. E isso acaba praticamente eliminando a vantagem de ter os fundos de pensão como potenciais compradores.

André de Angelo, presidente da Acciona no Brasil, disse recentemente ao InvestNews que é muito difícil captar recursos para projetos de infraestrutura em fases muito iniciais. E que esse espaço poderia ser ocupado pelos fundos de pensão.

O copo meio cheio

Enquanto as debêntures de infraestrutura seguem sem uma única emissão desde que foram lançadas, as debêntures incentivadas deslancharam. Mas qual é a diferença?

As debêntures incentivadas (Lei 12.431) dão isenção de imposto para o investidor — por isso caíram no gosto do mercado. Já as debêntures de infraestrutura (Lei 14.801) dão o benefício fiscal para o emissor — mas muitas empresas já têm isenção e, por isso, não se interessam em emitir. Resumindo: uma atrai o comprador, a outra tenta convencer o vendedor. Mas só uma funcionou.

Leia também:

  • À procura de novos bolsos para infraestrutura, gestoras avançam para a pessoa física
  • Junior minings: Brasil atrai nova geração de mineradoras estrangeiras

Somente em 2024, o volume captado por meio das debêntures incentivadas ultrapassou R$ 135 bilhões, segundo dados da Anbima. Já no primeiro trimestre deste ano, foram R$ 34,6 bilhões em emissões, crescimento de 33% em relação ao mesmo período do ano passado.

“A debênture incentivada virou um produto de prateleira. Ela oferece um prêmio atrativo, com risco de empresas sólidas — como Vale, Petrobras, Eletrobras — e isenção fiscal. Compete com qualquer ativo de renda fixa, inclusive a NTN-B”, afirma Cury, da Anbima. “O investidor entende o papel, o gestor sabe operar, e a estrutura regulatória está consolidada. O resultado é um produto que funciona.”

Interesse dos fundos

Ainda sem investir em projetos de infraestrutura, os próprios fundos de pensão decidiram reagir no campo institucional. Em abril, representantes das principais entidades entregaram à Casa Civil um pacote de propostas para atualizar o decreto que trata da responsabilização de dirigentes por perdas com investimentos.

A pauta inclui o reconhecimento do “ato regular de gestão” — ou seja, garantir que quem investiu seguindo as regras não seja punido como se tivesse cometido fraude —, a possibilidade de firmar termos de ajustamento de conduta (TACs) para corrigir eventuais distorções, e a diferenciação entre uma decisão de risco legítima e uma gestão temerária.

O pleito não é à toa: pela legislação atual, dirigentes de fundos de pensão podem ser multados, inabilitados para exercer cargos e até processados criminalmente, mesmo sem dolo — basta que um investimento dê errado e seja interpretado como “imprudente”.

“Hoje, quem assina uma decisão de investimento está exposto até criminalmente. É perfeitamente compreensível que os gestores optem pela inércia absoluta”, diz uma fonte.

O Brasil abriga 274 fundos de pensão que atendem 8,3 milhões de pessoas e administram um patrimônio equivalente a 11,6% do PIB, segundo dados mais recentes da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).

Adicionar aos favoritos o Link permanente.