De Azzas2154 a Toky: Onda de divórcios sacode o varejo brasileiro

Uma onda de divórcios tem atingido empresas brasileiras de varejo, algumas delas recém-casadas. Como forma de se proteger de um cenário de alta pressão, que combina juros altos, mudança de hábitos do consumidor e concorrência on-line, muitas companhias foram a mercado em busca do par ideal, aquele que representa uma oportunidade de complementariedade de negócio, ganhos de sinergia e reforço de caixa. Só que, em alguns casos, parece que os votos foram feitos cedo demais. E o resultado tem sido contratos desfeitos e muitas brigas na Justiça.

Um dos casos mais comentados nas rodas do varejo é o do Azzas 2154. Nos últimos meses, o dono de marcas como Arezzo, Schutz, Anacapri, Reserva, Hering, Farm, Animale, Foxton, Fábula e Maria Filó tem sido alvo de especulações sobre a possível separação de corpos entre os sócios controladores Alexandre Birman e Roberto Jatahy.

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A fusão da Arezzo&Co e do Soma, anunciada em fevereiro e concretizada em agosto de 2024, criou o Azzas 2154, o maior grupo de moda do Brasil, com 34 marcas, 2 mil lojas e faturamento anual na casa de R$ 12 bilhões. Só que, em menos de 12 meses, surgiram diferenças, aparentemente, inconciliáveis: a incompatibilidade de personalidades. Birman se tornou CEO do conglomerado. Mas Jatahy supostamente não aceita se reportar ao sócio e responde diretamente ao conselho de administração, atuando como um co-CEO da divisão de moda feminina.

Os dois detêm juntos cerca de 37,76% do capital da Azzas 2154 — sendo 21,31% vinculados ao grupo Birman e 16,45% ao grupo Jatahy. As soluções colocadas sobre a mesa vão mesmo na direção do fim do casamento, com cada um seguindo seu caminho. Mas como em todo divórcio os problemas estão nos detalhes.

Quais marcas ficam com quem? Um dos lados pode comprar a parte do outro? Os acionistas minoritários têm opção de vetar uma eventual separação? Todas as questões têm se mostrado complexas e as respostas, eventualmente, vão desagradar em maior ou menor grau um dos lados. A ver as cenas dos próximos capítulos.

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O fracasso das uniões corporativas, na verdade, é mais comum que se pensa. A revista Forbes realizou em 2024 um levantamento com mais de 40 mil casos de fusões e aquisições (M&As) realizados ao longo de 40 anos. A conclusão é surpreendente: cerca de 75% das operações não deram certo. E o que especialistas afirmam é que muitos desses casos de fracasso têm a ver com incompatibilidade cultural. É que, para a fusão ser bem-sucedida, não basta “a conta fechar”: ter culturas compatíveis e clareza sobre os objetivos de ambos os lados podem ser determinantes para que o negócio dê certo.

Esses elementos parecem ter faltado na união da Tok&Stok com a Mobly, caso que acabou na Justiça. A família Dubrule, fundadora da Tok&Stok, desde o início se manifestou contra a fusão, que foi capitaneada pela gestora SPX, na época controladora da Tok&Stok. Para sair do negócio, a SPX vendeu sua parte para a Home24, controladora da Mobly. Só que, desde o começo da relação, os acionistas não se entenderam.

O casamento ganhou ares litigiosos em abril deste ano. Os Dubrule apresentaram uma proposta de oferta pública de aquisição de ações (OPA) para adquirir o controle do grupo e retomar a marca que criaram em 1978. Os fundadores da Mobly, que compõem o atual corpo executivo da companhia, no entanto, têm mostrado resistência feroz ao processo.

O embate se tornou uma disputa judicial, em que a administração da Mobly acusa os Dubrule e a Home24, maior acionista do Toky, de conluio e manipulação de mercado. Em 22 de abril, a Mobly divulgou um fato relevante, onde fez duras acusações contra a família da Tok&Stok, e avisou estar entrado com processo judicial contra eles e a Home24.

O processo pede, basicamente, a invalidação da OPA. Foi aberto com o argumento de haver “indícios de atuação coordenada e não divulgada ao mercado” para adquirir os 44,3% de participação do Toky detidos pela Home24 “em condições diversas àquelas divulgadas pelo ofertante no edital da OPA”.

A oferta pública voluntária dos fundadores da Tok&Stok tem como alvo de 100% das ações do Toky. O preço proposto de R$ 0,68 por ação representa um desconto de 39% em relação ao preço atual de negociação da Mobly, de R$ 1,11.

A assembleia geral ordinária de acionistas (AGO), que ocorreu em 30 de abril, avaliou uma proposta de retirada de uma “poison pill” do estatuto da empresa, uma cláusula que torna o custo da OPA muito mais alto e poderia inviabilizar a oferta dos Dubrule. O pedido de eliminação da cláusula foi feito pela Home24, mas os acionistas minoritários votaram em peso e mantiveram a “poison pill”.

Mas a novela continua. Em mais uma reviravolta, o juiz Andre Salomon Tudisco responsável pela análise do pedido de tutela de urgência solicitada pela Mobly, porém, decidiu suspender as decisões da AGO. A medida vai valer até que ele complete a análise da própria petição dos administradores da rede de móveis.

Na alegria e na tristeza

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Claro que o cenário desafiador para o varejo pesa sobre o entrosamento das empresas que se unem. Tanto é que uniões mais maduras também se desfazendo, em um reflexo do desgaste da convivência entre os sócios. Foi o que se viu na de “desquite” do Casino com o GPA e no afastamento do Carrefour da bolsa brasileira, que precipitou a saída da família Diniz, fundadora do Pão de Açúcar, do corpo de acionistas.

No GPA, controlador do Pão de Açúcar, a disputa pelo poder tem como pano de fundo o desinteresse do próprio controlador, o grupo francês Casino, de manter a união com a varejista brasileira. Em junho de 2023, o Casino anunciou que pretendia vender suas operações sul-americanas — incluindo o GPA — com o objetivo de levantar € 900 milhões. A motivação seria a meta de reduzir pela metade sua dívida total de € 6,4 bilhões.

De qualquer modo, o desapego do controlador pelo grupo brasileiro e a busca pelo divórcio ficou às claras. Em 2025, a oferta de fusão do GPA com a rede Dia, comprada por um fundo ligado ao empresário Nelson Tanure em dezembro de 2024, apareceu como uma solução para a intenção do Casino para se desvincular da operação no Brasil.

O Casino, que detém 22,5% das ações do controlador do Pão de Açúcar, está apoiando a tentativa de trocar o atual conselho de administração, proposta por Tanure, como forma de acelerar o processo de combinação de negócios entre as redes de supermercados. A assembleia para votar a formação do novo conselho ainda não está marcada, mas deve ocorrer ainda em maio.

Noites de Paris

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Em outro caso, o Carrefour propôs o fechamento de capital, ou seja, da retirada da filial brasileira da B3. A intenção do controlador levou a uma saída dos grandes investidores institucionais do Carrefour Brasil. A Península, empresa de investimentos da família Diniz, vendeu no último mês toda sua participação de 4,9%, enquanto o fundo soberano de Singapura, o GIC, realizou um block trade de 2,4% das ações, movimentando R$ 425 milhões.

A assembleia de acionistas referendou a saída da bolsa brasileira na sexta-feira, dia 25. A aprovação dos acionistas não foi sem emoção. Até a véspera da reunião, as prévias mostravam que a maioria, na verdade, apoiava a manutenção do Carrefour Brasil como empresa listada. No dia da votação, ocorreu uma reviravolta e o fechamento de capital foi ratificado por 59,2% dos votos.

A inversão do resultado ocorreu com a entrada de 145,3 milhões de novos votos na assembleia – 93% deles favoráveis à saída da bolsa. Os fiéis da balança foram fundos de investimento que atuam com a arbitragem de preços que, nas últimas semanas, compraram ações do Carrefour Brasil especificamente para lucrar com a operação. O presidente-executivo do Carrefour, Alexandre Bompard, afirmou em um comunicado que o controle total do Carrefour Brasil vai permitir ao grupo francês administrar as operações com “maior agilidade” em um de “nossos mercados mais dinâmicos”.

Leis da atração

O passado recente no Brasil registra várias combinações de negócios que naufragaram devido à incompatibilidade de culturas ou ao desgaste entre os parceiros. O próprio GPA teve em 2019 um divórcio com a Via Varejo, controladora das Casas Bahia. Houve um longo histórico de conflitos com a família Klein, fundadora da Casas Bahia, que se arrependeu da venda do controle da rede ao Grupo Pão de Açúcar em 2009.

Outro caso de litígio famoso é o da Eldorado Celulose, vendido pela J&F ao grupo indonésio Paper Excellence, em 2017, por R$ 15 bilhões. Os anos seguintes ao acordo foram marcados por disputas judiciais e arbitrais, com a J&F querendo desfazer o negócio e a Paper Excellence em busca de concretizar a venda. Apesar de ter obtido uma decisão arbitral favorável à transferência de controle, a venda para a multinacional da Indonésia está suspensa por decisão judicial.

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