Por favor, gastem: depois de priorizar a indústria, China apela aos consumidores para estimular a economia

Para resistir a uma guerra comercial com os EUA, a China está recorrendo aos seus próprios consumidores para manter a economia funcionando. Pela primeira vez, Pequim está priorizando politicamente o estímulo ao consumo interno, prometendo ações para impulsionar os gastos das famílias. Só neste ano, o governo destinou 300 bilhões de yuans (cerca de US$ 42 bilhões ou R$ 260 bilhões), para expandir um programa que paga consumidores para trocar carros ou eletrônicos antigos por novos.

Mas, embora o programa tenha impulsionado a atividade econômica de curto prazo, economistas afirmam que ele pouco contribui para reequilibrar a economia chinesa, que há muito tempo privilegia a indústria como motor de crescimento.

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Economistas e assessores políticos têm apelado a Pequim para que se resolva os obstáculos profundos ao consumo, incluindo um sistema de bem-estar social precário que incentiva as famílias a poupar e um sistema financeiro voltado para canalizar investimentos para a indústria.

Enquanto isso, uma crise imobiliária épica, a desaceleração do crescimento, a deflação e o alto desemprego entre os jovens estão pressionando a economia e restringindo a tendência dos consumidores para gastar.

A tentativa de reequilibrar a economia em direção ao consumo é ainda mais urgente, já que uma guerra comercial com os EUA tensiona a capacidade da China de exportar para alcançar um forte crescimento.

“No passado, nossas finanças apoiavam principalmente o investimento em projetos. Agora, precisamos mudar para investir nas pessoas”, disse Peng Sen, presidente da Sociedade Chinesa de Reforma Econômica, um think tank estatal, em um fórum econômico recente.

Na Meidu Home Appliances, loja de varejo de vários andares no centro da cidade de Haikou, no sul do país, um outdoor vermelho, faixas e flâmulas coloridas em frente à entrada anunciavam recentemente ofertas em tudo, de TVs a aparelhos de ar-condicionado e geladeiras — todos produtos subsidiados por incentivos do governo.

Ma Dejun, um motorista do aplicativo de transporte Didi, comprou uma máquina de lavar nova. Ele não está ganhando muito dinheiro com isso ultimamente, então os subsídios do governo o estão ajudando a comprar itens de valor mais alto, disse ele.

Ele também está planejando comprar uma nova scooter elétrica por cerca de 3 mil yuans para aproveitar um subsídio para trocar sua scooter atual, de três anos. “Isso me motiva a gastar mais”, disse Ma.

Vendas no varejo

Os incentivos ajudaram a impulsionar as vendas no varejo de eletrodomésticos e equipamentos de vídeo em mais de 40% em relação ao ano anterior nos últimos meses, enquanto as vendas de dispositivos de comunicação aumentaram cerca de 30%, segundo dados do governo. As vendas no varejo de bens de consumo aumentaram no geral, embora o crescimento tenha caído em abril.

O consumo nominal das famílias no primeiro trimestre cresceu 5,2% em relação ao ano anterior, em comparação com 4,5% no quarto trimestre. De janeiro a abril, mais de 34 milhões de consumidores participaram do programa de troca de eletrodomésticos, gerando vendas de 174,5 bilhões de yuans (ou US$ 22 bilhões ou R$ 136 bilhões), de acordo com o Ministério do Comércio da China.

“Desde o início deste ano, as iniciativas políticas estão gerando resultados, com a continuidade da recuperação das vendas, mas a força motriz interna para o consumo precisa ser ainda mais fortalecida”, disse um porta-voz do Departamento Nacional de Estatísticas da China na segunda-feira (26).

Limite de compra na China

Os subsídios têm um limite. Na Meidu, uma compradora de sobrenome Ou disse que chineses da classe trabalhadora, como ela, hesitam em gastar dinheiro porque os salários são baixos e a renda não aumentou. Ela aprova os incentivos, mas disse que “se sua TV não estiver quebrada, você não comprará uma TV só por causa do subsídio”. Ela saiu da loja sem comprar nada.

Mesmo em Haikou, que fica na ilha tropical de Hainan, conhecida por seu ritmo de vida tranquilo, os pais estavam preocupados com o futuro dos filhos e outros expressaram preocupação com a possibilidade de seus filhos adultos se casarem. Comerciantes locais notaram uma desaceleração na atividade turística.

Wu Shansheng, pai de dois filhos que produz e vende equipamentos de vigilância, disse que as vendas caíram em relação ao ano passado, à medida que os clientes buscam alternativas mais baratas online. Departamentos governamentais, antes grandes clientes, também estão em processo de corte de custos. Os produtos de Wu não estão aptos para subsídios, como os oferecidos para veículos elétricos e smartphones.

Em resposta, Wu reduziu os preços, mesmo que isso reduza seus lucros. É melhor vender um pouco e produzir menos do que ficar preso a um estoque grande demais, disse ele. “Todo mundo sente que não tem muito dinheiro”, disse Wu.

No início deste ano, a China divulgou um plano para expandir o consumo interno, incluindo aumento de salários, aumento de pensões, criação de incentivos para a natalidade e estabilização dos mercados de ações e imobiliário. Mas os legisladores forneceram poucos detalhes sobre como as iniciativas seriam implementadas.

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Reformas para tornar a China mais consumidora

A longo prazo, transformar a China em uma economia focada no consumo exigiria reformas abrangentes e custosas para construir seu sistema de segurança social, aumentar a renda e reestruturar o sistema financeiro chinês para se concentrar mais nas finanças do consumidor e menos no investimento industrial, afirmam economistas.

Programas sociais escassos, como seguro saúde, levaram os chineses a poupar para os dias difíceis. A poupança interna bruta da China foi de 44% do PIB em 2023, em comparação com 19% nos EUA e 27% no mundo, segundo dados do Banco Mundial.

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Mas o reequilíbrio da economia em direção ao consumo foi recebido com indiferença pelo líder chinês Xi Jinping. Embora tenha feito comentários apoiando as ações para estimular o consumo, Xi priorizou a indústria, especialmente em setores de ponta, e resistiu à ajuda aos consumidores, temendo que ela levasse ao que ele descreve como “assistencialismo”.

Durante uma recente visita a uma fábrica na província de Henan, Xi enfatizou a importância da manufatura e da autossuficiência para o desenvolvimento da China, segundo a agência de notícias estatal Xinhua. “A China sempre seguiu o caminho do desenvolvimento da economia real, que se provou ser o caminho certo”, afirmou Xinhua, citando Xi.

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